A Diocese de Luena tem uma extensão de 223.000 Km² (mais do dobro do território de Portugal) fica situada na parte mais interior de Angola; em toda sua extensão não chega a 500 km de estradas asfaltadas; as demais estradas são muito precárias.
O bispo de Luena veio visitar-nos, sintonizando-nos com o programa a ser desenvolvido.
Dia 18 de Setembro tivemos de levantar-nos antes do cantar do galo, pois às 3 horas tínhamos de seguir para o aeroporto regional, de onde partimos para Luena. Lá esperava-nos o Pe. Emilio, vigário geral.
Nesta manhã ainda saímos para visitar o Moxico Velho, com um pequeno santuário a ser recuperado. Encontramos ali um idoso beneditino, português, o Pe. Estêvão, que resiste decidido a dar os seus últimos anos à evangelização do povo angolano. À tarde visitamos uma outra missão, fechada e semi-destruída, na sua infraestrutura, pela guerra. Constatamos, nestas primeiras voltas, que as estradas são sumamente precárias. Mesmo com veículos versáteis, resistentes e com tração às quatro rodas, qualquer viagem se torna de alguma maneira desafiadora. Não faltam solavancos!
No dia seguinte (19/09) celebramos bem cedo na catedral (missa em português, com os cânticos numa mescla de ‘chokwe’ e português. Noutras regiões fala-se o ‘luchase’ ou outros idiomas. Após o café, embarcamos com um Pe. Salesiano (Pe. Luis) numa Toyota Land rover, com bancos laterais, tipo caminhão de exército; abastecidos de alimentos, água, camas de campanha, mantas... Esperava-nos uma aventura, como de fato foi. Saímos para dois dias. O nosso destino era Camgamba, município/missão a 340 km de distância, dois terços de estrada em terra batida outras vezes com areias muito movediças onde o carro volta e meia se atolava. No caminho íamos encontrando catequistas, animadores, líderes das comunidades. O Pe. Luis, que atende toda esta região (42.000 Km²), tem a seu cargo 168 comunidades. Chegamos a Cangamba às 19 horas, já escuro. Não há energia elétrica. Paramos na frente da igreja e, como num passe de mágica, salta à nossa frente um grande grupo de fiéis da comunidade, cantando, dançando e batendo palmas. Que acolhimento! Após muitos cantos na sua língua nativa, fomos jantar; ajeitamos em seguida as nossas camas de campanha na sacristia e noutro anexo, o banho ficou adiado, e entregamo-nos ao merecido descanso.
No dia seguinte tivemos missa às seis horas. Após o reconhecimento da vila: campo de aviação (com aviões destruídos pela guerra), capelas de “pau e capim”, dependências administrativas... era hora de nos pormos de novo a caminho, que nos ocupou o resto do dia.
No dia seguinte, o Pe. Luis levou-nos a Cangumbe, a 90 km de Luena. Repete-se o acolhimento e o espírito festivo do povo. O Pe. Luis leu o evangelho em ‘chokwe’, Fr. Marcos fez a homilia em português, que o catequista ia traduzindo para o idioma nativo, de facto nestas zonas do interior muitos não entendem o português. Depois caminhamos pela vila, conhecemos uma belíssima e bem equipada “casa do mel”, mas sem mel... À tardinha, de volta a Luena, pudemos conhecer a fantástica obra social dos salesianos na periferia da cidade: paróquia, colégio (4000 alunos), oficinas, ação social e cultural...
Dia 20 (domingo) celebramos com o bispo missa de crisma na periferia de Luena, em quase três horas de festa, canto e dança. Após o almoço, munidos de farnel, camas de campanha, mochilas..., partimos para uma viagem de 600 km. Fez-nos companhia ao longo destes dias, um jovem vocacionado do propetêutico e o Pe. Amaro Jorge (dehoniano português). No caminho fomos cumprimentando missionários e missionárias: Pe. Abilio OSB, as Irmãs Filhas de Sant’Ana em Camenongue; as Irmãs de Santa Catarina de Sena em Muconda; os padres dehonianos e Irmãs Franciscanas Hospitaleiras do Imaculado Coração em Luau, onde jantamos. Chegamos ao nosso destino – Cazombo – à meia noite. Foi dose! Estavamos bem massajados. Já nos aguardavam os padres Lopes e Manecas e uma irmã filipina, primor de irmã pelo jeito cuidadoso e competente com que nos acolheu! E que sono desejado naquela noite!
No dia seguinte, com uma rápida e festiva paragem em Calunda, chegamos a Macondo (mais 150 km, ficamos a menos de 40 km da Zâmbia). Ali celebramos após o meio dia e voltamos a Calunda. À noite, na capelinha de adobe, foi-nos oferecido um verdadeiro ‘serão’ de canções e danças nativas; tiveram que regar o chão para não levantarem tanto pó. Armamos a nossa ‘tenda’ dentro da capela onde dormimos com outra dúzia e meia de pessoas (famílias, crianças, jovens) das povoações mais distantes que ali descansaram para no dia seguinte poderem participar na eucaristia. Verdadeiro acampamento coletivo! De madrugada só se sentia uma aragem fresquinha entrando janela adentro, ruído de grilos, leves gemidos de bébés e crianças... O banho fica de novo adiado. No dia seguinte celebramos ao romper da manhã. No final da missa, além de nos convidarem para ficarmos já com eles, ofereceram-nos, como expressão de acolhimento e gratidão, 4 cabritinhos e muitos sacos de mandioca. A mandioca foi recolhida pelo Bispo para alimentar os seminaristas e os cabritos ficam à nossa espera quando fundarmos em Angola. Esperemos que não os encontrar de barba branca. A celebração foi uma autêntica festa e a despedida muito calorosa. O povo mostrou-nos a cosedura de tijolos que estavam a fazer para constuir a casa dos futuros padres missionários. Reregressamos ao Cazombo, onde pudemos ver as obras da missão, uma construção dos beneditinos.
Quarta feira (dia 25) seguimos até Luacano, onde há outra missão sem missionários. À tarde fomos até o Lago Dilolo, onde celebramos eucaristia numa pequena aldeia. Regressamos, já de noite a Luacano onde jantamos e dormimos em instalações que o catequista providenciou. À primeira hora do dia seguinte, D. Tirso Blanco reuniu-se conosco. Conversamos sobre a experiência, o bispo pediu a impressão que ficou em nós. Falou-nos do seu desejo, dos seus projetos, e a sugestão (ou sugestões) para uma nossa posterior presença. Entregou-nos um conjunto de intenções. Depois celebramos com a comunidade e seguimos para Lumege-Cameia, onde cumprimentamos o Pe. Inacio (missionário argentino) e as irmãs do Santíssimo Salvador. Tinhamos estrada de areia pela frente.
Percorremos, no total, mais de 1800 Km, com poucos trechos de asfalto. Muita areia, poeira e, em várias situações, verdadeiras picadas. Há também por todos os lados, a infeliz ideia das queimadas intencionais que se repetem todos os anos na época de seca, antes das chuvas regressarem. O carro que tínhamos à nossa disposição não era o mais apropriado para este tipo de longas viagens. Mas se o bispo aguentou firme, porque haveriamos nós de aguentar?
NOSSA AVALIAÇÃO: REALISMO, SONHOS, PERSPECTIVAS
a) A região que visitamos vem marcada realmente por muitas carências e dificuldades: a probreza, como um todo, salta aos olhos. Tudo é muito precário. As casas são, em geral de adobe (blocos de barro, cru ou semi queimado), pequenas, cobertas de uma espécie de capim (aos poucos estão sendo substituídas por folhas de zinco, que as deixa mais quentes), chão batido, sem água, banheiro, móveis, energia elétrica. Nas vilas já há casas melhores.
Extremamente distante dos centros maiores, acaba sendo um povo esquecido. A comunicação é muito precária: as estradas em certas regiões praticamente são inexistentes mas noutros locais o asfalto está avançando em alguns trechos. Não há energia elétrica. Não há telefone fixo; há empenho para que se estenda a telefonia móvel; nos centros mais populosos já existe mas nas aldeias e montanha não. A alimentação é pobre, à base de mandioca; um pouco de peixe da abundância de rios desta Província, alguma carne de caça... Acreditamos que a maioria das crianças não sabem o que é o leite; nos mercados dos centros maiores só se encontra leite em pó. Há abundância de manga. As terras estão, na maioria, por cultivar, em grande parte porque as pessoas não se atrevem a cultivá-las, pois ainda estão minadas, e ao serem pisadas, matam ou mutilam as pessoas - herança triste da guerra.
b) A evangelização nesta região de Angola é muito recente e precária. A primeira evangelização através da colonização portuguesa, a partir do final do sec. XV, não chegou ao interior, que ficou sempre à deriva. Os primeiros missionários a chegarem foram os monges beneditinos, em 1933. A guerra (primeiro a da independência, depois a civil) interrompeu qualquer possibilidade de deslocamento dos missionários/as e ficaram sem acesso aos sacramentos por quase 40 anos.
c) Atualmente estão aparecendo, ao menos em alguns aspectos, bons e esperançosos sinais de recuperação de todas as infraestruturas: construção de grandes e belas escolas, algumas com merenda escolar, hospitais, postos de saúde, moradias de alvenaria, estradas pavimentadas, ampliação da telefonia móvel; os chineses tomaram conta da construção civil de duvidosa qualidade..., a via férrea está rasgando o país de leste a oeste. Faltam agora professores e outros profissionais bem capacitados, indústria, tecnologia, trabalho formal. Diz o povo que também o vírus da corrupção, dos privilégios, do favorecimentos se incrustou nestas bandas. Mesmo assim, vê-se melhoras, há esperança, há muita alegria no povo.
d) Pelo que constatamos, há extrema necessidade de mais missionários/as, nesta diocese de Luena especificamente. O povo é, por natureza, religioso. Tem sede da Palavra que o missionário leva, quer viver e celebrar sua vida de fé. Onde a Igreja Católica não está presente, as seitas ganham terreno com propostas muito duvidosas. Falta para a maioria o primeiro anúncio. As novas gerações (crianças, adolescentes, jovens), geração pós-guerra praticamente não tiveram catequese e evangelização. Disse-nos D. Tirso que nesta região somente 10 a 15% são católicos. Mas parece-nos, pela quantia de gente que veio às celebrações, que a fé e vivência da fé está apenas adormecida sob as cinzas. Este povo precisa do sopro do missionário(a). Se assim se fizer, a vida e expressão da fé dar-se-á em abundância. Os catequistas são figuras de muito respeito, consideração e grande influência. Mas eles também precisam de formação e sozinhos não conseguem ir muito longe.
e) Uma futura presença do Carmelo Teresiano nestas terras certamente será uma bênção para este povo e não menor bênção para os que se dispuserem a este serviço. Será desafiador. Exigirá boa dose de renúncias de todos os tipos, capacidade de viver o provisório e a precariedade. Não se poderá contar, ao menos no início, das benesses, praticidade e apoio dos nossos modernos e já habituados meios de comunicação. Ao menos não da maneira como estamos habituados. Será um convite para viver com o mínimo necessário.
Mas tudo isto terá, com certeza e como contrapartida, a alegria, o acolhimento, a simpatia, o amor, a gratidão de um povo bom e amigo, que se encanta e desdobra pelos missionários, priva-se para que nada falte ao missionário, para que este se sinta bem no meio das pessoas. E não se precisa dizer que é radicalmente evangélico. É desafiador, mas não impossível: o que se recebe é muito mais do que o que se deixa e o que se dá. Sabemos que nem todos poderemos ir concretamente à terra de missão, mas todos podemos e devemos encantar-nos, vibrar, apoiar, rezar, envolver a nossa gente, as nossas comunidades, para que sejam sempre mais missionárias, participando e ajudando de diversas maneiras.
Mais do que relatório, quiséramos partilhar um pouco da nossa experiência vivida ‘in loco’.
Os Freis:
- Marcos Juchen J.
- Pierino Orlandini
- Gilberto Hickmann
- Joaquim Teixeira
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