quinta-feira, 13 de março de 2014

Em memória da Aurora Anselmo, pequenino sinal de Deus

 
(Aurora Anselmo 1914 - 12 de Março - 2014)
 
(Em memória da Aurora Anselmo e tantos cristãos e cristãs que preferiram subir ao Carmo fiéis e anónimos. Muito obrigado. Seguem palavras que pude aferir junto do filho Carlos, da Helena e da Zulima.)

Cumprem-se hoje os cem anos de vida da Aurora Anselmo, que foi vizinha do nosso Convento do Carmo, nossa amiga, benfeitora e cristã fiel.
Fiquem-nos cinco marcas da sua vida, que merecem ser evocadas como sinais para o caminho da vida e da fé de cada um de nós e da comunidade do Carmo que, agradecida e feliz, também a evoca:

I. Quem virá a ser esta menina?
A pergunta aparece nos evangelhos, mas a respeito de um menino. Servir-nos-á hoje para recordar a Aurora Anselmo, que faz cem anos de vida.
O nascimento de alguém é sempre fonte de alegria. Não vejo de outra maneira a data que hoje celebramos. É sem dúvida de grata memória. E obviamente que os que a viram nascer dela poderiam dizer o que, ao tempo, disseram os vizinhos de Isabel e Zacarias acerca do pequenino João: «– Quem virá a ser esta menina?»
O nascimento é um mistério. Só demasiado tarde nos damos conta que o mistério se abre para nós e se nos desvela. Hoje já sabemos responder à pergunta «Quem virá a ser esta menina?». Os filhos Rui Eduardo, Artur e Carlos sabem-no melhor que todos, pois que nasceram e aprenderam de uma santa.
Alguns netos sabem o que ainda viram e o que os filhos lhes contaram.
Alguns de nós, ainda assim privilegiados, como eu, sabemos quem foi esta menina ao olharmos para os filhos e os filhos dos seus filhos. Não precisamos de nada mais: vê-los é vê-la.
Hoje sabemos que foi uma boa menina, uma jovem adorável, uma esposa amante, uma mãe terna, uma mulher guerreira. Uma cristã feliz. E fiel.
Oxalá que os que com ela aprenderam a saibam ensinar, e os que hoje aprendem a saibam transmitir. Se possível acrescentado, mas não é obrigatório que assim seja.

II. Mulher de paz marcada pela guerra
A Aurora Anselmo, mulher de paz, nasceu sob o signo da guerra, por nascer nos alvores da I Grande Guerra. Para nascer há sempre tempo, mas é certo que há dias e dias e uns melhores que outros. E ela nasceu-nos na aurora da guerra para ser sinal pacífico e de luta pelo bem.
E quando na Europa se (re)começaram a ouvir os tambores, agora os da II Grande Guerra, nasceram-lhe os filhos. Todos homens!
Por fim, como imaginar o coração da mãe vendo os filhos caminhar para a Guerra do Ultramar?
Tanta guerra para uma mulher de paz!
O século XX foi um século trágico, de imensas feridas e de fracturas expostas. O ser humano provou mesmo saber ser lobo para o seu semelhante. Porém, também nos soube saciar com doçura de mãe que acaricia cordeirinhos sobre os seus joelhos!

III. Mulher com sentido de missão
Somos o que Deus nos amassou, o que Ele preparou para nós e o que decidimos construir com Deus. Somos, enfim, liberdade.
Ao que sei, ao que ouvi, a Aurora soube ser livre, isto é, entregar-se nas mãos de Deus, confiar e porfiar. Belo lema ainda para hoje: confiar e porfiar. E discernir.
As voltas da vida transtrocaram-lhe as teclas: as do piano pelas da máquina de escrever. Poderia ter sido menina dos bailes nos salões da burguesia, e foi funcionária que arrancou honestamente o pão com o suor do rosto e os dedos doridos!
Mulher que recebeu os filhos que Deus lhe deu e os preparou para a vida. Deu-lhes sozinha m curso, orientou-os e mostrou-lhes na sala de aulas da própria vida como se vivia em família, como se crescia em fé, estatura e graça diante de Deus e dos homens.
E concluído o curso dos filhos, que mais mostrar? E casados os filhos, que mais ensinar? Era hora de partir por estar concluída a missão. Se Deus quisesse. E quis. E ela, missionária do amor, foi para o céu, para junto do marido.
«Terminei a minha missão, Deus vai-me chamar.» E chamou, porque é sempre Deus quem chama! E ela foi, porque estava pronta e porque em estado de prontidão perscrutava, agradecida, a Sua voz.

IV. Mãe fecunda
É mãe de três filhos, de quatro e cinco, se incluirmos a Isabel e o Zezinho, que ela acolheu em sua casa. Uma mulher assim não é só mãe dos filhos, sabe também ser mãe daqueles a quem a vida se revela madrasta. A Isabel e o Zézinho são disso exemplo.
E a esta prole alargada haveríamos de acrescentar os pobres que conheciam bem a porta da sua casa e o calor das suas mãos.

V. Mulher de Igreja
Era noelista. Era mulher de oração, de piedade, de missa diária em jejum! De testemunho de fé confirmado no esforço do trabalho e nas labutas da vida.
Ser noelista significa ser mulher de oração e de caridade, mulher de estudo e de educação, mulher de formação e de luta pela promoção da mulher.
Aurora, mulher luminosa que anuncia o calor do dia, era da Igreja, formada pela Igreja e inconformada pela causa da Igreja. Era, só podia!, uma mulher actual.
E assim sendo era um sinal. «Esta geração, diz Jesus no evangelho de hoje, pede sinais.» A nossa geração como todas as gerações pede sinais, pressionam Jesus para que mostre sinais. Mais sinais, sinais espectaculares, convincentes. E Ele nãos os dá nem os mostra, porque já todos os sinais foram revelados. Porque vão sendo revelados nas fragilidades das pequeninas auroras que, por vezes, não sabemos perceber por entre os nevoeiros da história.
A Aurora Anselmo é um sinal. Hoje Jesus apontou-nos este seu pequenino sinal que cem anos depois do seu nascimento nos evocámos nesta Eucaristia de Acção de Graças pelas sua vida: Um sinal de joelhos humildes a rezar, um sinal de firmeza a trabalhar, um sinal de esperança no meio dos filhos, um sinal de caridade a acolher os pobres, um sinal de fraternidade entre as mulheres.
Uma sinal assim faz-nos cristãos mais felizes.
Muito obrigado a Deus pela bênção desta mulher que ele nos deu!

fj

(No final da Eucaristia o Frei João instou o Rev.do P. Manuel Torre, que fora seu Pároco, a que dissesse também ele uma palavrinha. Declinou e agradeceu, dizendo que tudo o que fora dito nos cinco pontos fora bem dito e não saberia dizer melhor, e ainda se falhava por defeito. Por fim, felizmente, ainda  achou fôlego para confirmar a nobreza e santidade de vida da Aurora Anselmo, pequeno farol de Deus.)


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