Jesus está na montanha a pregar o Sermão da Montanha. Ficou louco, Jesus? Fizeram-lhe mal as alturas? É que, de facto, a sua proposta sai-lhe tão ousada, tão arrebatada, que não parece ser de levar a sério. Mas é. Jesus está mesmo bom da cabeça quando propõe o amor aos inimigos.
Vivemos tempos neutros; tempos aos quais já quase não se fazem propostas radicais, com o arrojo das de Jesus. São por isso tempos que se vão vivendo por não apetecê-los.
E se todos tratássemos os inimigos como amigos, como queridos inimigos?
Dizem-me que nós os padres já não pregamos como antigamente, que os retiros são passeios ou encontros, que já ninguém propõe com seriedade o Evangelho, que temos tanto medo de falar em exigência, por sermos tão poucos, que evitamos perder os poucos que ainda nos restam.
Seja, embora não creia que seja tanto assim.
Vivemos tempos débeis. Nada nos anima a caminhar de tão ténue e breve é o que nos propomos. Ninguém quer experiências que durem ou fidelidades que permaneçam. O que vale é o que passa depois que por lá passamos sem nos molharmos, sem muito nos comprometermos. O que vale é que Eu estive lá, mas agora vivo como se lá não tivesse ido. Curtir é que é bué da fixe e muito tótil.
O compromisso e a exigência obrigam a dar o corte porque é muito fatela e xunga de mais.
Cada um é como cada qual, já não há lugar para e seriedade, e a verdade é o que fôr a conveniência do momento. Para quê afirmar verdades se cada um pode viver com a sua opinião? Sim, mas como poderemos nós viver tão medianos, indistintos e indiferenciados sem dar lugar ao que é e deve ser?
Vamos, pois, ao cerne, sem o qual nada se sustenta.
No excerto do Evangelho deste domingo Jesus propõe-nos algo radical. E, sinceramente, não me parece que tenha falado apenas para um punhado de eleitos ou privilegiados. A proposta radical do Evangelho continua válida e válida se repropõe a todos. Não a afoguemos nem a adociquemos. A proposta de Jesus é só uma e bem clara: Sede santos como o vosso Pai do céu é santo!
Quereríamos desafio mais radical? Não creio que seja possível radicalizar mais, porque lá diz o refrão do povo, que o parece ter lido a Bíblia: Tal pai, tal filho. Que tal filho como qual pai.
O certo, porém, é que, subrepticiamente, o cancro também nos minou a nós. Como os demais quisemos ser modernos e descartamos a fidelidade; aquele pedaço de Evangelho é exigente?, então será porque é só para alguns; A caridade é difícil?, então é fácil reclamar o nosso direito ao descanso e ao bem-estar.
O Evangelho perdeu o ferrão, e o cristão de tão ecuménico já quase não sabe o que deve ou não deve, pode ou não pode fazer, porque, no fim de contas, os outros também o fazem.
E a regra que passa a valer é a do Todos à uma, mesmo que o caminho seja errado.
Se é certo que muitos advogam que o Cristianismo deveria deixar de pregar aos não crentes, também é certo que a caridade é o nosso tónus indeclinável. E por isso indispensável do que somos.
O diferente sempre interpelou mais e mais deixou a consciência aos sobressaltos. Por isso não creio que baste ser simpático e sorrir, ter olhar sincero e seguir em frente.
Por onde passamos deixamos mais ou menos indelével a nossa pegada cristã, que ainda que não queiramos brilha nas obras que fazemos. Creio que era isso que Cristo queria dizer no Evangelho. Um cristão é um cristão, mesmo que não lhe exijam que prove a sua fé.
Nós repugnamos o fizeste-as paga-las!, porque o amor aos inimigos é o Evangelho que nos ungiu, o coração que late em nós. Estará, porém, ao alcance sincero das nossas forças declinar a ira e repudiar o desejo de vingança? Este desafio tão radical de Jesus — de amarmos os inimigos, é honestamente possível?
Humanamente não, divinamente sim.
Por alguma razão lemos no Evangelho: «Orai por aqueles que vos perseguem»; isto é, juntai às forças humanas da não beligerância a suave unção da oração, porque quando rezamos pelos inimigos então já eles deixaram de o ser.
E na segunda leitura, Paulo diz o seguinte: «O Espírito Santo vive em vós!». Ora, quando rezamos pelos inimigos e lhes perdoamos e até os amamos, estamos, simplesmente, deixando que Deus seja Deus em nós e pelas nossas acções, e que, humilde, deixe que se nos atribua o mérito que lhe é devido. É pois possível amar os inimigos? É. É tão possível quanto deixamos que Deus viva e actue na estreiteza da nossa vida e no nada das nossas acções. Se Deus desde o céu «faz nascer o sol sobre bons e maus», porque haveria de deixar de ser Deus quando na terra habita o nosso coração?
Olá, pois, Queridos Inimigos!
Chama do Carmo I NS 98 I Fevereiro 20, 2011
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