Vamos de férias. Melhor, quem pode vai de férias. Mas os que vão vão mesmo de férias?
Pelo menos a Chama do Carmo pára aqui e retorna em Outubro. Fazemos uma pausa nesta canseira e vamos distender-nos um pouco. O que a Chama tem de calor informativo e formativo pára aqui um pouco.
É tempo para descanso, para retempero das forças, para regenerar o espírito.
Voltaremos.
Não, nem todos vão de férias. Neste momento lembro-me dos doentes crónicos e graves. A doença não lhes dá tréguas nem alívio, nem conforto ou descanso algum. Quem dera que alguém lhes dera. E isso pareceria já cheirar a férias.
Nestes dias de crise lembro-me dos que continuam a via sacra da busca de emprego, procurando donde sacar um punhado de cêntimos para comprar o pão de cada dia.
E lembro-me dos que não tirarão férias porque o orçamento familiar tem de ir em socorro de alguém conhecido que ficou desempregado (que também não terá férias!).
E lembro-me dos que terão férias porque a empresa fecha para férias. E esses até talvez agradecessem trabalhar, porque estão em contenção de despesas e por isso ficarão rondando por aqui, pelo terreiro da cidade, acolhendo pedacinhos de céu que ela vai tendo para oferecer aos de casa e aos forasteiros.
Muitos vão de férias, mas nem todos irão.
Deus não tira férias, porque Deus é amor e o amor jamais descansa. Deus fica com os que ficam e parte com os que partem. Reúne-se com os que continuam a caminhar a vida e a rezar a fé, e com os que percorrendo as rotas várias das férias encontrarão beleza e fraternidade, mãos abertas e olhares de paz.
Deus não vai de férias.
E muitos irão de férias mas não descansarão nem fruirão da beleza e da serenidade que só o tempo com tempo para não fazer nada permite. Por isso, se, podendo, for de férias, perca tempo. Não passe ao lado. Não passe o tempo todo correndo, mesmo que seja para se encharcar de alta cultura. Já basta correr contra o tempo no resto do ano. As férias são para repousar. Repouse junto da família, embora ficando alerta para a intensidade de relações que as férias proporcionam até à compressão. Durma mais, descanse mais. Passeie um pouco, ouça os filhos, projecte com eles os seus sonhos, reavalie o projecto da sua família. (E, claro, como sempre, haverá dores e queixas, por isso vele para não pressionar demasiado nas feridas e rasgões que todas as famílias têm.) Programe com tempo os percursos alternativos para as suas deslocações, a fim de ter tempo para parar num daqueles miradouros que nos alargam os horizontes dos olhos e da alma; ou subir calmamente a uma ermida ou santuário e ali descansar à sua sombra e saudar o Senhor ou a Senhora do lugar bendizendo a Deus por tantas maravilhas; ou parar num lugar que nos fala da gesta heróica nossos antepassados.
As férias são para deixar o tempo esvair-se: Por vezes a beleza do silêncio e da paz entra-nos suavemente pela porta se a deixarmos entreaberta. Importa por isso que ao menos uma vez no ano deixemos o tempo correr como quem perde para ganhar.
Quem tanto se esforçou na labuta diária deveria depois saber perder tempo para ganhar em profundidade o gozo do encontro.
É impensável que se possa chegar de férias mais cansado que na partida; que à hora do recomeço dos trabalhos se esteja tão exausto como se não tivesse havido férias ou se se regressasse dum combate. Parece irreal, mas é verdade. Há quem faça das férias uma canseira, uma correria louca para absorver o máximo daquilo que esteve impedido de contemplar e apreciar no resto do ano. Mas não, isso não são férias. As férias que cansam, que não dão repouso nem ao corpo nem ao espírito não merecem esse nome. São comércio e sobretudo exploração do homem e da natureza! As suas férias deveriam ser abertura ao puro dom e ao gratuito. Se for de férias saiba fazer diferença: beba descontraidamente das fontes do silêncio e da palavra amena, do encontro e da contemplação.
O melhor das férias não está na promessa dos cartazes de publicidade, mas nas janelas da alma que se abrem para renovar o ar.
Chama do Carmo I NS 79 I Julho 18, 2010
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