Vamos adiantados na celebração da Páscoa. Este é já o sexto domingo em que proclamamos jubilosos e em comunidade a vitória de Cristo Senhor sobre o mal e sobre a morte. À medida que se vai verificando tal avanço este mistério ou realidade pascal vai-se expondo em virtualidades novas. Por exemplo, pela proclamação da primeira leitura deste domingo, dos Actos dos Apóstolos, percebemos que o pequeno círculo de Jesus se vai alargando, alargando muito para além das fronteiras originais.
Como uma semente lançada em boa terra a primeira Igreja de Jesus acabaria por florescer pujante e não caber na estreitez da pequena courela do enclave pedregoso de Jerusalém em que fora semeada e regada com o sangue do Salvador. Animada pelo calor do Espírito Santo a pequena árvore da Igreja fincou ali raízes, cresceu e ultrapassou fronteiras e foi despontando e reverdecendo aqui e além, ao ponto de os Apóstolos, testemunhas privilegiadas do caminho com Jesus e da Sua ressurreição, se sentirem obrigados a enviar--lhes uma delegação constituída por Pedro e João para os firmar na comunhão dos irmãos. Coube-lhes abraçar os novos irmãos na fé, orar por eles e infundir-lhes o Espírito do Senhor, que é consolador e cheio de fortaleza.
A imagem das primeiras horas da história da Igreja é a dum fogo que se vai acendendo de cada brasa incandescida na Páscoa de Jesus. O vento do Espírito, fez, perdoe-se-me, de espalha-brasas, e aqui e ali e além, no coração de pequenas comunidades, surgiram fogos e incêndios que alastraram incontrolavelmente para fora do círculo primeiro.
(E tudo isto ainda antes de Paulo, claro!)
É bom que nós, cristãos de hoje, mortiços e cinzentos, tenhamos em conta o rubor que animou os primeiros, que não puderam calar o Evangelho que lhes queimava o coração!
Como fogo em seara restolhada assim se expandiu a Igreja. Nada a deteve, nem quando a açaimaram! Por isso, faz-nos bem regressar hoje à comunidade, sentarmo-nos placidamente nos bancos da igreja, como quem de novo se senta nas pupitres da escola. E reaprender pela leitura daquela crónica primigénia o que foi o alastrar da fé e do testemunho alegre do Ressuscitado!
Estarão estéreis os nossos dias? Estarão cansados e em pousio os campos das nossas almas? Já não nos correm nas veias rios de água viva? Estarão inermes os músculos e cariados os nossos ossos? Esclerótico o coração da nossa fé? Ressequiram as nossas mãos? Quem correrá por Jesus? Quem O anunciará? Quem incendiará o mundo de hoje e as suas gerações? Quem? Por que estamos tão frios?
(Não digo frescos, mas frios...)
É curioso reparar que Jesus previu os nossos resfriados. Ele previu esta Igreja que somos, formada por cristãos friorentos porque se relacionam mal com Jesus, porque O conhecem mal e O amam e recordam apenas de maneira rotineira. Em nós vai-se extinguindo o fogo, e logo depois se extinguirá lentamente a nossa Igreja! De facto, uma comunidade cristã centrada num Jesus apagado não seduz nem aquece corações, e o futuro não mora ali.
É urgente que refaçamos a experiência de Jesus. O que agora nos parece impossível tem de ser possível; o que nos parece ousado tem de ser prático e realizável de maneira nova e atractiva. Será possível que nos tornemos ainda mais de Jesus? Será possível vivermos ainda mais unidos a Ele?
A isso nos responde o relato evangélico de São João ao dar-nos conta da perturbação dos discípulos, quando na Última Ceia se foram apercebendo que ficariam sem Jesus. Quem imaginará a sua perturbação? Que seria daquele pequenino rebanho sem Jesus? A quem seguiriam? Que palavra os animaria?
Percebendo Jesus a confusão deixou-lhes palavras de unção calorosa e ternurenta. Sim, sim, iria deixá-los. Porém, iria mostrar-lhes como não ficariam sós, como continuariam ligados a Ele para além do deslaçamento da sua morte.
E é então que surge uma palavra forte de Jesus, daquelas que não se esquecem jamais.
Disse-lhes: «Não vos deixarei órfãos! Voltarei para junto de vós!» Inaudito e inacreditável! Nunca ninguém falara assim, porque, de facto, depois de terem feito a experiência de caminho com Ele, faltava-lhes fazer a experiência nova, comum a todos os discípulos: a do Espírito Santo. Uma experiência que nos envolverá e nos tocará no mais profundo centro do nosso ser. Prometeu e é verdade, nós não fomos nem seremos esquecidos por Jesus, porque Ele vem e virá para caminhar connosco. Ele já não mais poderá ser visto em nossos dias com os olhos deste mundo, mas poderá ser captado pelos da fé. Que temos feito da nossa fé a fim de que ela veja bem Jesus e nos revele o convívio que Ele mantém connosco? Jesus vive agora com o Pai e tem-nos unidos a Ele; é esta união que tudo garante e sustenta na nossa fé.
Chama do Carmo I NS 112 I Maio 29, 2011
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