O Século XIX português foi marcado por um conjunto de acontecimentos que contribuíram de forma decisiva para o Portugal que hoje conhecemos.
O Liberalismo trouxe consigo o fim da velha ordem instituída com séculos de Monarquia Absoluta. Os grupos sociais privilegiados, Clero e Nobreza, perderam os ditos privilégios, viram os seus bens extirpados e vendidos em hasta pública e no caso das Ordens Religiosas, foram expulsas do País pela fortíssima legislação de Joaquim António de Aguiar de 1834. A sociedade parecia aplaudir estas medidas, mas…
Os sobreviventes sociais desta convulsão, tentaram, da melhor maneira possível, sobreviver a esta onda revolucionária que em nome da liberdade, igualdade e fraternidade conduzia muitas famílias à extrema pobreza.
Um país empobrecido com a guerra civil, com os gastos de uma corte desorientada, não tinha capacidade de resposta para os que mais necessitavam. Mesmo os que ainda tinham algumas regalias, como a Nobreza que se adaptou à nova realidade, tentando casar as suas filhas com os burgueses que entretanto enriqueciam pelos lucros do comércio, mesmo esses não sentiam necessidade de olhar pelos que nada tinham.
Mas como em tudo na vida há uma excepção, uma família marcou a diferença pelos frutos que gerou.
A 15 de Junho de 1843 nasceu aquela que receberia o nome de Libânia do Carmo Galvão Mexia de Moura Telles de Albuquerque. Nasceu no seio de uma família da nobreza e como tal foi educada. Ficando órfã, foi enviada para o Asilo Real da Ajuda, instituição criada com o objectivo de socorrer as meninas das famílias nobres, mesmo que ali ao lado pobres morressem de fome. Mas era assim a sociedade da época, era assim a mentalidade da época. E as mentalidades não se mudam por decreto governamental!
Aos 19 anos tentou regressar à vida social na companhia dos Marqueses de Valada. Mas cinco anos bastaram para que quisesse ingressar no Pensionato de S. Patrício. Percebendo o seu destino, assumindo a sua entrega a Deus, consagrou-se na Ordem Terceira de S. Francisco. Em 1869 recebeu o hábito de Capuchinha com o nome de Irmã Maria Clara do Menino Jesus.
Devido à conjuntura política da época, a Irmã Maria Clara teve de ir para França fazer o Noviciado. Sabia-se da necessidade urgente de se criar um instituto religioso português que desse resposta às necessidades da pobreza.
Regressa ao país em Maio de 1871 e dá início à Congregação das Irmãs Hospitaleiras dos Pobres Por Amor de Deus. Dedicou a sua vida a cuidar dos outros, dos mais pobres, dos mais fracos, dos marginalizados. Encheu Portugal de Centros de Assistência, Atendimento e Educação. Chegou a Superiora Geral, abriu mais de 100 obras e recebeu mais de mil irmãs. Foi bondade na terra num tempo em que só imaginar pobres e pobreza repugnava os que abundantemente viviam nos luxuosos solares de campo ou mesmo até nas mansões na cidade. O tempo era de fome de pão, de frio de amor, de gelo no coração. Mas a Irmã Maria Clara, nascida e criada num berço de ouro, escolheu unir-se aos mais fraquinhos, aos que considerava a sua gente.
Isto e muito mais puderam ouvir no dia 9 de Junho no Convento do Carmo os 25 participantes. Com uma voz melodiosa, a Irmã Maria Celeste Guarda, Franciscana de Viana do Castelo, que nos apresentous a vida e obra de Mãe Maria Clara e um conjunto de testemunhos de contemporâneos que com ela privaram e cujas declarações foram bálsamo para o processo de beatificação. À medida que a conferencista apresentava o seu modelo de virtude, levantou-se a questão: como surgiu uma pessoa com tamanha bondade de uma família nobre? Foi-nos explicado que os pais sempre a educaram com muito amor, cultivando a caridade e a amizade por Jesus. Portanto, essas referências tinham sido transmitidas pelos pais. Ah! Afinal os pais são determinantes!
Passemos agora ao nosso tempo. Diariamente ouvimos na televisão ou lemos nos jornais que cada vez há mais problemas de indisciplina na escola, que cada vez mais os idosos são abandonados pelas famílias em épocas festivas ou épocas de férias. Ouvimos também constantemente notícias de maus-tratos, de agressões, de violência por violência de uns contra outros, só porque esses uns pensavam de maneira diferente desses outros. Ah! E depois vem a crise como paradigma que tudo explica. Ou seja, está tudo mal porque está tudo mal! Mas será que não está tudo mal porque a Família se esqueceu do seu lugar, da sua importância e da sua função? Mas será que não está tudo mal porque os pais, justificando pelo excesso de trabalho (sim porque trabalham para dar tudo aos filhos, mesmo que o tudo seja o último grito de telemóvel ou o último modelo de playstation), alegam não ter tempo para sentar no sofá e conversar com os filhos, ler uma história antes de adormecer, olhar o céu e contar estrelas, correr na relva e apanhar lagartixas? Não, não há tempo! É o trabalho, é o stress, e mais a mais há a escola, logo a escola que faça aquilo que a família deveria fazer. Afinal é para isso que ali estão, os professores. Claro, ganham bem e tem três meses de férias, podem por isso educar os filhos dos outros, ensinar a dizer bom dia e obrigado, a não cuspir para o chão, a ter regras e a respeitar quem é diferente… E ser diferente agora, tal como no século XIX, é ser pobre, é ter fome de pão, de colo, de carinho, de mimos, de tudo isso que a Mãe Clara deu às suas crianças na sua curta vida. Seremos nós capazes de produzir uma nova Mãe Clara?
Mais pormenores poderia aqui dizer sobre os aspectos deliciosos da sua vida mas nunca os diria tão bem como a estimada conferencista. Assim sendo, lanço umas interrogações para que pensemos. Não estará o mundo a precisar de muitas Mães Marias Claras que contra ventos e marés, contra leis e governos, consigam minorar a dor a tanta gente? Não precisaremos nós todos, ser um bocadinho de Mãe Maria Clara à nossa volta, com o nosso vizinho, com aquele amigo mais esquecido, com aquele parente que é tão teimoso? Pensemos então neste exemplo de mulher que venceu num mundo de homens e foi capaz de marcar a diferença!
(Ana Margarida Caramez)
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