Santíssima Trindade. Por esta altura do ano de 1578 São João da Cruz estava preso, sem poder celebrar Missa ou comungar. No contexto duríssimo da prisão compôs algumas poesias, entre elas uma de sabor trinitário e eucarístico, onde afirma que na escuridão da fé conhece bem aonde se encontra a fonte da vida, o próprio Deus. Como uma fonte que brota sabemos que Deus sai dele mesmo para nos criar e nos saciar comunicando a sua vida. E enquanto caminhamos na terra caminhamos iluminados pela fé (sempre obscura!) e na certeza de que Deus caminha connosco, que para não nos deixar sós permanece escondido no pão da Eucaristia. Porque, então, tristemente, preferimos migalhas?
São João da Cruz como tantos conhece com toda a certeza a Fonte de onde brota água da vida, ainda que não a possa ver, porque é de noite; quer dizer: vive na obscuridade da fé e é desde ela que conhece a Fonte que pode saciar a sede mais profunda, o nosso desejo de felicidade.
A fonte é o próprio Deus Trindade que se comunica ao ser humano para lhe dar vida, paz, amor. E ainda que O não possamos compreender racionalmente, podemos saboreá-lo na noite da fé. Enfim, conhecemos a Fonte mas não podemos explicá-la. De facto, não é necessário ver a água para a levar à boca; e para não morrer de sede basta beber ainda que às escuras.
Uma coisa é clara: a Fonte não é realidade fechada em si, antes «mana e corre», é dinâmica e geradora de vida, sai de si para ir ao encontro.
Essa Fonte misteriosa permanece, porém, sempre escondida para o homem. Está sempre acima das suas capacidades de entender, embora, pela fé, saibamos donde brota.
Deus é mais íntimo a mim que eu mesmo. Por isso, desde a obscuridade da fé, nós sabemos que a Fonte não está fora, mas dentro de nós mesmos. E sabemos também que esta fonte maravilhosa que é Deus se desborda comunicando a sua vida às criaturas, pois tudo nasce da Fonte; é a Fonte que mantém toda a existência; ninguém se pode afastar da sua existência benevolente; ela é origem de toda a luz verdadeira, de tudo o que é bom, da formosura e da verdade; e por Ela e para Ela tudo vive!
Na verdade, Deus não tem origem, não foi criado, não tem princípio, é eterno; e por isso é o único Criador de tudo o que existiu, existe e existirá. E nada poderá igualar a sua beleza; aliás, toda a beleza natural é mera participação da beleza eterna de Deus, que é a origem de tudo e manutenção de tudo.
A Fonte não necessita de nada para existir, e ninguém pode passar-lhe por cima ou ignorá-la.
Nada nem ninguém podem viver fora dela: nem os céus, nem a terra, nem o inferno. É um mistério, é certo, mas ninguém pode viver sem Deus porque o Deus Trindade sustém até mesmo aqueles que decidiram viver de costas para Ele. Aliás, Ele respeita a nossa liberdade e não nos destrói quando O recusamos.
O Deus Trindade é Pai, é Filho, é Espírito Santo. O Pai é a fonte donde brota o Filho, e da comunhão entre o Pai e o Filho brota o Espírito Santo. Os três partilham a mesma vida, o mesmo ser, o mesmo amor e a mesma alegria.
O Filho é corrente que brota da fonte do Pai, e tal como o Pai é poderoso e ilimitado e da sua mesma natureza — divino como Ele. O Espírito Santo é a corrente da vida que procede do Pai e do Filho.
O Pai, o Filho e o Espírito Santo possuem a mesma água, o mesmo ser, a mesma identidade; possuem-na e partilham-na porque desde toda a eternidade Deus é circulação e doação de amor. Deus que tudo criou mantém a existência de tudo dando-se à humanidade, por isso fez-se pequenino e se deixou ficar, discretamente, num pedaço de pão. Fê-lo para estar próximo da humanidade, para ser seu alimento e caminhar com ela. No pão vivo da Eucaristia está presente o Ressuscitado e nele a Santíssima Trindade, e é por isso que celebramos a Eucaristia: porque Deus nos quer dar a sua própria vida e comunicar-nos o seu amor: O Deus escondido e inabarcável é também o Deus próximo, pequeno, que voluntariamente se deixou ficar connosco, no meio de nós, como alimento.
Aninhado em nosso coração todos trazemos o desejo de felicidade e de eternidade, por isso todos somos convidados a alimentar-nos deste Pão e desta Água que saciam a verdadeira fome e sede. Neste mundo não podemos ver Deus face a face, mas podemos entrar na sua intimidade e saboreá-lo por antecipação.
Deus é um abismo de Amor, diz São João da Cruz. Só um abismo poderia ser resposta a outro abismo: o desejo humano de ser feliz! Esse desejo não pode saciar-se com nada deste mundo, apenas com o próprio Deus. Enfim, poderemos ignorar o nosso abismo e a Fonte que o sacia, mas não o poderemos calar de vez entretendo-nos a mordiscar migalhas. Não! O desejo humano só se sacia com a plenitude de sentido bebendo da Fonte que mana e corre.
Chama do Carmo I NS 190 I Maio 26 2013
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