sábado, 28 de dezembro de 2013

Como são os teus rituais?


Natal. Não gostamos de pensar. Talvez por que os músculos não estejam treinados, ou, talvez, por que cada vez tenhamos mais músculos e menos com que pensar. Ainda não sei ao certo as linhas da equação. Sei que pensar tem os seus custos. Pelo sexto ano consecutivo erguemos na comunidade a Exposição de Presépios com a colaboração de uns e de outros, ajudas, empréstimos e o gozo e alegria discretos de muitos. Todos os anos há uma novidade. Pequenina que seja é uma novidade. Este ano ela dá que pensar. Mais uma vez. Por favor entre nos claustros e contemple. Perca por ali uns minutos e isso é ganho. Não incomoda ninguém e até nos alegra a sua visita. Talvez para si tudo seja novo, talvez já não seja a primeira vez que vem e até se lembra da do ano passado. Talvez encontre uma novidade que não a minha. Não importa. O interessante é que vá por ali, deixando o olhar correr, pousar e descansar. Páre onde parar, mas não deixe de pensar: Como são os teus rituais? Eu também páro por lá. Natal é memória, ritual e celebração. É por isso que nasceu o presépio, para ajudar a memória a actualizar o acontecimento santo da Incarnação do Verbo de Deus. Ele nasceu no meio do frio da nossa história e a história o tem representado em quadros cheios de simplicidade e beleza que nos encantam e aconchegam a alma e a fé.
Natal é celebração, é presente. Presente presencial, como se fosse agora. Como se fosse agora que as pousadas se vão novamente fechando à Virgem grávida e o Altíssimo de novo voltasse a nascer num curral.
Natal é ritual, é tradição, é repetição de gestos, movimentos e palavras que vão passando de mão em mão, de coração a coração, que entram, luminosos, pelos olhos até ao fundo da alma.
O ritual do Natal é maravilhamento de luz! Ora sucedeu neste Natal vir uma família cumprir um ritual: trazer um presépio novo para a exposição. Que tenha vindo a família toda: papá, mamã e Eva, já de si é muito significativo! (O papá ergueu o presépio e a mamã ajudou no que pôde, porque a Eva andava à volta pelos claustros encantada com tantos Jesuses !)
O presépio destes jovens tem que se lhe diga, ou melhor: tem que se veja. Vale a pena entrar nos claustros só por ele. Ele é um imenso paralelepípedo cheio de luz; na parte de cima tem um Menino Jesus e uma árvore bonsai seca. De um ramo seco da árvore pende uma pequena rodela de laranja seca sugerindo... Sugerindo o que você quiser que ela sugira. Por isso será melhor que passe por lá.
Ora na noite antes da noite de Natal, quais reis magos, andávamos por ali três zarandeando pelos claustros. E mais uma vez o presépio de luz nos bateu nos olhos, e ao bater bateu-nos a frase que lhe serve de legenda: «Como são os teus rituais?» E foi então que alguém sugeriu que respondêssemos. Olhando de novo o Menino e a pergunta, as respostas foram:
(1) Tudo estava seco, ressequido e duro. Toda a terra estava como que desértica e seca como aquele bonsai seco, até que nasceu o Menino Deus que a tudo deu sentido; nasceu a Vida e a vida em volta reverdesceu. Assim, não há como esperar o Natal mais um ano para deixarmos animar e reverdecer em nós a esperança. Aquele presépio ali é como um grito a dizer-nos: tende esperança! Confiai! O que estava ressequido vai renovar-se, a vossa alegria vai voltar a animar as cidades dos homens!
(2) O Segundo disse: O tempo passa. Aquela rodela de laranja suspensa da árvore é um relógio a dizer-nos que o tempo passa depressa, inexoravelmente, e que, inexoravelmente, estamos impedidos de o deter. A vida é uma roda que roda e ninguém pára. Roda a roda até se cansar e desaparecer.
(3) O Terceiro disse: Há rituais e rituais. Uns são de vida, outros são de morte. Há neste presépio noite e luz, vida e morte. Tal como no mundo, no nosso mundo. O Natal está a chegar e nós vamos encantar-nos de mistério e de luz, do mistério da Luz que nos apareceu. Mas ao lado do acontecer do Mistério há árvores que morrem, há vida que não reage nem se encanta nem se maravilha com a chegada da Vida. Neste Natal será mais uma vez Natal. Correremos muito gastando aqui, ali e além os últimos centavos em prendas quase simbólicas. Para manter o ritual. As famílias vão juntar-se e iremos repetir rituais seculares: quem puder terá as mesas fartas, quem souber cantará cantigas de embalar.  Depois do calor e do aconchego enfrentaremos o frio da noite, como pastores vigilantes, para ir à Missa do Galo ver o Menino que a Senhora tem. E o Terceiro continuou: É mais uma vez Natal. Mas há muitos rituais que não são Natal. Não são de vida nem de morte, são de nada e de sem--sentido. Existem famílias que já não se juntam, já não cantam nem se beijam, nem rezam juntas nem rejubilam com o Nascimento. Comem o mais cedo que podem, mas já não comem frente a frente. Comem sandes enquanto actualizam o Facebook, longe da lareira e com as Doc Martens calçadas prontos a dar corda aos sapatos e zarpar para a discoteca.
Eu concordo que os rituais possam mudar, mas alguns têm de ser como raízes, daquelas fundas, tão fundas que tenham entrado pelo tecto da caverna do presépio e ali tenham beijado a Luz.

Chama do Carmo I NS 209 I Dezembro 29 20013

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