Continuamos a escutar o Evangelho de Marcos. Continuamos ainda dentro da jornada de Jesus em Cafarnaum. Continuamos a verificar o poder da sua palavra e a força da convocatória da sua fama. Sim, a fama de Jesus crescia rapidamente. O passa-palavra tinha uma eficácia poderosa. Os seus milagres atraíam multidões. As multidões — há quem diga que milhares de pessoas! — reuniam-se em torno de Jesus. A narração diz que, desta vez, se reuniram em frente da casa onde Jesus estava. Aglomerava-se tanta gente ao seu redor que parecia impossível alguém aproximar-se de Jesus.
Na narração do Evangelho deste domingo somos colocados diante duma situação de lotação esgotada. Foi um daqueles momentos tão intensos na vida de Jesus, que não cabia ninguém mais, nem fora nem dentro da casa onde Ele se encontrava.Desde há dias atrás que o encontro com Jesus e a força da Sua palavra se tinham revelado tão novos e tão impactantes, que as pessoas não podiam calar a novidade do que viam e ouviam.
Eis, pois, que amplamente motivados pelas notícias que correm de boca em boca, se concentraram os famintos da novidade da palavra salvadora e sanadora de Jesus.
São de facto muitos. É uma assembleia enorme. Uma assembleia apinhada, apertada como uma pinha. Uma assembleia que corre o risco de abafar Jesus, ou o que é mais: de impedir que os mais afastados cheguem até Jesus.
Quem poderia imaginar algo assim? Quem, no seu juízo, poderia sonhar aproximar-se de Jesus? Mais ainda: como poderia um paralítico, um impedido de andar, entrar na comunidade de Jesus e aproximar-se Dele?
Encontramos hoje Jesus curando um paralítico. Olhando bem o contexto pareceria impossível que alguém vindo de fora pudesse romper a multidão e se aproximasse de Jesus. Parecia quase impossível! Parecia difícil sim, mas não impossível! Estando tudo tão atulhado de gente, como ousar batalhar para aproximar-se de Jesus? Atrever-me-ia a dizer que a fé cria soluções, inventa possibilidades, franqueia portas, abre janelas. Foi o que fizeram aqueles quatro amigos do paralítico desta narrativa do Evangelho de Marcos.
O que não vai a bem vai a mal, pensaram! Ele tem de lá chegar. Se não entra pelas vias normais, a porta, levantará pelo telhado!
Que fé louvável a daqueles cinco homens! Que louvável persistência a desses desconhecidos! Poucas vezes teremos tido oportunidade de presenciar tão grande demonstração de fé.
Enfim, tantas vezes diante dos problemas nos sentimos nós exactamente assim: perdidos, sem rumo, abandonados no fundo dum poço de paredes altas. E Jesus parecendo-nos tão alheio e tão distante e as barreiras impossivelmente intransponíveis. Quantas vezes em nossas vidas negras sobra pessimismo, falta coragem, ânimo, fé, força, garra. Como desistimos tão facilmente diante das muralhas humanas que nos separam do Senhor!
Essa superaglomeração de pessoas que se interpõem entre nós e o Senhor tem realmente o condão de distanciar-nos Dele. É verdade: amigos existem que nos arrastam para correntezas nada límpidas e nada engrandecedoras da nossa dignidade!
E o mesmo com as doenças: formam-se barreiras pirenaicas entre o doente, o médico e a cura. Parece conquista impossível o acesso aos remédios, aos internamentos, aos exames complementares de diagnóstico! E são tamanhas as toneladas de entraves burocráticos! Assim na narrativa do Evangelho, assim também às portas do nosso sistema de saúde permanecem milhares de pessoas aguardando uma mão amiga, um sorriso compreensivo, uma força de vonatde decisiva. E tantas das vezes a cura não depende de milagre, quando basta o atendimento a que se tem direito e o acesso ao medicamento eficaz. O milagre não depende só de intervenção divina, depende também de disponibilidade humana. Depende de nós e tem nomes simples: amor, respeito, partilha, dignidade e, até mesmo, direito. Se os direitos fossem respeitados muita coisa poderia mudar. E como por milagre poderiam diluir-se filas enormes de doentes despejados nos postos de saúde e nos hospitais. E as indústrias farmacêuticas poderiam pensar mais na venda de remédios a preços acessíveis e menos nos lucros.
Antes de curar o paralítico, Jesus perdoou-lhe os pecados. Isto é, antes de curar o físico consertou-lhe o espírito. É que Deus conhece bem os milhões de filhos doentes que caminham, ouvem e enxergam mal. Caminham, porém como solitários e sem rumo, e as suas estradas são atalhos que não levam a Jesus. Eles não ouvem a sua Palavra, nem enxergam os seus irmãos.
É preciso, urgentemente, apresentá-los ao Deus misericordioso, para cuja misericórdia jamais existe lotação esgotada!
Chama do Carmo I NS 137 | Fevereiro 19 2012
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