Para ler é preciso saber. Quem o disse no Público de domingo passado (25/IX) foi o Frei Bento Domingues que eu leio com gosto, desde que ele ali escreve. A frase não deve ser original, mas é altamente válida. Também não foi assim escrita, mas de outra maneira, a saber: «Para ler é preciso saber ler.» Se a memória não me falha o teólogo referia-se a um escritor célebre cuja memória me foge sempre que, deixando de escrever, envereda pela publicidade rasca e de mau gosto. É que além de não saber fazer publicidade — evidenciando a excelência do produto, antes desmerecendo do que outros fizeram melhor — também não sabe ler, o que é um forte óbice à possibilidade de bem escrever e de fazer publicidade...
Não é, porém, de leituras, publicidade e escritores que aqui se quer falar. Não seria mau tema para recomeçar a chamear, mas o tempo urge outras reflexões.
É dia de Todos os Santos. E de que haveria de falar se aqui no dia de todos os Santos? De santidade, como é óbvio.
O apelo irrenunciável à santidade está-nos inscrito no ADN espiritual de cada um de nós. De todos nós, sem apelo nem agravo. Outra coisa é que o saibamos, consintamos, promovamos e aceitemos. O mais frequente é que exclamemos como quem esconjura: «— Santo, eu?». «E porque não, apetece responder com estranheza.» E é assim que as fronteiras da santidade são cuidadosamente posicionadas para além do terreiro em que a vida se desenrola: «Isso não é para mim; mas para padres e freiras!».
Outros, que parecem ter aprendido algo na escola da vida, respondem doutra forma: «Como poderei ser santo se sou tão pecador?» E desistem.
E outros ainda, desistentes e conformados, dizem: «Não vale a pena: caímos sempre no mesmo...»
Por fim, os últimos, fascinados por el dorados inatingíveis, confessam: «Santo? Quem quer ser aborrecido? Quem quer deitar fora tantas coisas sem as provar?»
Às objecções a Igreja responde serenamente que o apelo é feito a todos, porque ninguém nasce santo. É um caminho que se faz. Não é um caminho fácil, e o mais importante não é se se cai (ainda que repetidamente) ou se nunca se cai, mas se se cai que se erga.
Santo não é o aquele que nunca cai, mas o que, caindo, logo se ergue com mais ou menos esforço, com mais ou menos marcas, pede perdão ao Senhor, e regressa ao campo de batalha. Quem nunca deita pés ao caminho nunca saberá se chegaria ao fim.
A santidade pede pés e pernas afoitos e coração forte.
Os santos são como os sempre-em-pé: tombam ou são tombados e logo se erguem; tombam ou são tombados mil vezes e mil vezes se põem em pé!
Os santos são os sempre-em-pé!
Sim, podemos ser santos. Podemos repetidamente e contra todos os prognósticos erguer-nos do chão e ficar de pé. E andar. Por que contamos com o perdão de Deus, a compreensão de Deus, o sorriso de Deus, como um pai que levanta uma e outra vez o seu filho infante, caínte. A graça e a força de Deus estão por nós, vêm em socorro das nossas poucas forças e do nosso pouco querer. Mas é preciso querer e querer colaborar com o Senhor. Essa força vem-nos da nossa adesão a Deus e da comunhão com Ele sinalizadas na vida sacramental, na participação da Eucaristia e na oração confiante. Podemos ser santos, isto é, podemos corresponder ao desígnio para o qual fomos criados, porque tudo pode quem confia nAquele que nos dá força; é São Paulo quem o diz.
De facto, não consta que Deus olhe para as fragilidades e indignidades de cada um de nós para nos impedir de sermos seus filhos. Tropeçamos e caímos, e ainda assim somos dignos de ser santos.
Se Deus nos chama a ser santos é porque é possível. E se é possível quem duvidará de Deus? E, já agora, nesse caso, é bom que sejamos fracos, porque forte é só Ele! E é possível, porque Ele o torna possível pela acção do Espírito Santo. É caso para dizer que convém ser-se pequeno para se ser grande, porque os pequeninos é que serão exaltados!
Se quisermos trabalhar só com as nossas forças não venceremos. Mas o que é impossível para nós é fácil para Deus. Por isso, se contamos com a força de Deus, porque a desprezamos? Se temos por nós tanta energia, porque a desperdiçamos?
Enfim, para se ser santo basta querer!
Ah, é verdade: por sinal, quem quer ser santo perde muitas coisas, lá isso perde. Mas é como o outro assunto do escritor: não chegar ler, é preciso saber ler. Que é como diz: não basta ser homem, é preciso querer ser santo. Lá isso é, que esse é o nosso cume. E ninguém chega lá sem pôr os pés ao caminho!
Chama do Carmo I NS42 I 01 Nov '09
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