Se nos próximos tempos passear pelos nossos claustros encontrará uma exposição dedicada ao livro Caminho de Perfeição, de Santa Teresa de Jesus. Vale a pena chegar mais cedo à Missa, ou sair mais tarde. Pense nisso... E passe por lá. Mas deixe-me perguntar-lhe: Não estaremos nós demasiado habituados a papa para bébés, ou até nos recusemos a comer comida substancial e saborosa? Sim: Quantos dos nossos cristãos de hoje leram em sua vida um bom livro de espiritualidade? Um livro que tenha ajudado a construir a personalidade da nossa Igreja?
Teresa é mãe e mestra e o livro Caminho de Perfeição é a prova disso, pois nele se condensam as ideias chave sobre a origem e fim da sua obra fundacional. Este Livro é um código de espiritualidade e livro programático da nova Ordem dos Carmelitas. D. Teotónio de Bragança, Arcebispo de Évora e amigo da Santa, declarou ao lê-lo: «Aqui neste livro está toda a alma da Madre Teresa de Jesus».
O Livro Caminho de Perfeição nasce das vivências conventuais na primeira fundação de Santa Teresa e é intemporal, porque nele está toda a alma de Teresa e a alma é imortal! Como um catecismo, foi primeiramente dirigido às suas freiras para que aprendessem a rezar como Teresa, mas prontamente se converteu no seu discurso vivo e directo à Humanidade. É talvez uma carta inacabada, um diálogo que há-de continuar na história de cada um de nós!
O Caminho da Perfeição foi escrito depois da sua autobiografia, o Livro da Vida – esse livro que tanto espantou os seus confessores, que tão bem a conheciam! (Ou talvez não!) Obviamente obedeceu aos seus confessores, que haviam sido instigados pelas freiras do mosteiro de S. José, para o escrever. O objectivo é ajudá-las, pois que era sua priora.
O Livro trata «de algumas coisas sobre a oração». É sabido que durante a sua escrita a Madre não consultou outros livros, pois não os tinha à mão (Nem a Bíblia, sequer!; pois tal não era permitido.), e ao mesmo tempo não se tem a si mesma como escritora de ofício. E mais que fiar-se do seu saber fia-se, isso sim, da inspiração de Deus. Por isso só escreverá ou dirá «o que o Senhor me der a entender», o que deva ser dito.
O Livro foi escrito num tempo apaziguador e ameno, mas por entre muitos trabalhos e ocupações e com larguíssimas interrupções, que, longe de o prejudicarem, o enriquecem. Ao conclui-lo Teresa reconhecerá o pouco que de si nele pôs, embora também refira a sua experiência pessoal exercida e recolhida em «alguns mosteiros». Existem dois originais autógrafos, o segundo é mais cuidado, com melhor grafia e nova redacção. Podemos assumir que foi um Livro escrito para o grande público: embora a Santa se dirija às «suas irmãs» a quem rapidamente nomeia como «filhas suas», o que universaliza os destinatários.
A data da elaboração não é certa, mas deve oscilar entre os anos 1566-69. O mais importante, porém, é que se trata dum livro pedagógico, através do qual a Santa visa formar e dar identidade às suas freiras, para serviço da Igreja.
Assim como os exércitos têm um de ataque e outro de retaguarda, assim a Igreja. O exército avançado da Igreja são os professores e os pregadores, o da retaguarda são as carmelitas e os contempaltivos que oram por eles! Por isso, muito se preocupou a Santa em ensiná-las a rezar pela Igreja!
A última parte do Livro usou-a para comentar a oração do Pai Nosso, provando que também a oração vocal se pode converter em oração contemplativa.
Os tempos de Santa Teresa não foram fáceis. Veja-se, o exemplo: o Cardeal Carlos de Guisa, no dia 23 de Novembro de 1562 (O primeiro mosteiro de Teresa – São José de Ávila – havia sido fundado apenas três meses antes!), informou o Concílio de Trento que:
«Existem por todos os reinos da Europa discórdias, ódios, pilhagens e guerras civis, que os templos sagrados são destruídos, os sacerdotes e os religiosos são assassinados junto ao altar, as hóstias consagradas são vilmente pisadas aos pés, ardem enormes fogueiras de paramentos e imagens de santos, as relíquias são convertidas em cinzas ou atiradas aos rios…»
Sensível a este deplorável cenário Teresa sente que tem de ser útil à sua Igreja, mas a Igreja não está aberta à ajuda das mulheres que, pela sua condição feminina, não podem empunhar armas: não podem pregar nem escrever. Por isso, Teresa refugia-se na única possibilidade que lhe resta: rezar, sofrer pela Igreja, viver o melhor possível a sua consagração na vivência dos conselhos evangélicos. Isso mesmo o diz ela ao abrir o Livro Caminho de Perfeição.
O século XVI espanhol é um século de fé cristã. A política é sobretudo uma política religiosa, a guerra é guerra religiosa, a cultura é cultura religiosa, a arte é arte religiosa, e assim tudo o resto. Vários problemas sociais dificultam a vida em Espanha: a entrada na fé cristã dos cristãos novos provindos do Islamismo e do Judaísmo, a ideia de raça e de nobreza, as questões de honra e linhagem, o fantasma do Protestantismo, o alumbradismo como vivência pessoal da fé sem recurso a mediações. Estes e outros problemas assustavam tanto a Santa que a levaram a escrever: «É um risco muito arriscado ir por este caminho». O caminho novo era o seu pensamento e a sua obra orante e fundacional!
Face a esses tempos tão aziagos Teresa teve uma ideia: formar comunidades de mulheres que orassem e ajudassem a Igreja com a sua oração, porque:
«Vós, Senhor da minha alma, não afastastes as mulheres quando andáveis no mundo, antes as favorecestes com muito carinho e encontrastes nelas tanto ou mais amor que nos homens. Já basta, Senhor, que o mundo nos tenha encurraladas, que não possamos fazer nada em público! Eu vejo, porém, os tempos de maneira que não existe razão para recusar ânimos virtuosos e fortes, mesmo que sejam de mulheres!»
Foi por isso que escreveu o livro Caminho de Perfeição: porque a oração é um serviço à Igreja, com determinada determinação, em solidão e silêncio, em fraternidade
Chama do Carmo I NS 173 I Janeiro 27 2013
2 comentários:
Santa Teresa, uma grande mulher que o mundo não esquece.
«Grande MAL é uma alma ACHAR-SE SOZINHA» entre tantos perigos.
[Santa Teresa de Jesus]
Enviar um comentário