Este é o domingo do Baptismo. Depois de em comunidade termos escutado e meditado os mistérios da infância de Jesus damos neste domingo um grande salto e aproximamo-nos de Jesus crescido e maduro de mais de trinta anos. Abeiramo-nos e vemo-Lo entrando nas águas do Jordão onde o espera João. Abrem-se então os céus e contemplamos a manifestação da Trindade: Jesus ora, a voz do Pai amado proclama o Filho como bem amado, e o Espírito desce sobre Ele.
Ao celebrar pontualmente cada ano a inesperada Festa do Baptismo do Senhor recordo sempre duas coisas:
O meu baptismo numa capelinha pequenina e pobre e caiada de branco, oito dias depois do meu nascimento.E recordo a surpresa do Baptista vendo o primo Jesus enfileirado na fila dos pecadores. Em chegando Jesus junto de si recusou-se a baptizá-Lo, logo ele que era sibilino e pródigo em convocar o povo para o baptismo de penitência!
Demoveu-o Jesus com um incisivo: «É necessário!».
E se não era necessário que Jesus se baptizasse por não ser pecador, era, enfim, necessário que se deixasse baptizar para lavar as águas que a nós nos lavam quando os pais aproximam os filhos da nascente do Baptismo.
Era, pois, necessário e assim se concretizou.
E é também necessário, no sentido de belo e justo, que ao terminar a celebração das festas natalícias nos dediquemos a contemplar e a redescobrir a beleza de sermos baptizados. Ser baptizado é dar entrada e passar a fazer parte da grande família do povo de Deus, o povo peregrino da fé.
Somos um povo peregrino. Nascemos assim, porque vemos desde antanho a nossa avoenga a caminhar sem morada permanente. Caminhar, e sobretudo caminhar alegres, faz parte da raiz mais funda da fé da nossa alma. O Baptismo traz em si esse gérmen de vida que nos eleva e em nós semeia um dinamismo que nos desinstala e faz caminhar. E de cada vez que pelo Espírito nos alçamos e pomos em pé vencemos a modorra, irmã da morte, e ressuscitamos. Não somos para ficar parados, nem calados. O nosso estilo é caminhar e testemunhar o diálogo interior liquefeito em vida, que em nós mana como uma nascente de Primavera. O caminho é longo nas surpresas e decepções. E nas alegrias também, pois o Ressuscitado vai caminhando (discretamente, disfarçadamente) connosco. Não vale porém a pena ser-se derrotista e tolher os passos porque não estamos sós. Connosco vai o Espírito Santo que nos cicia a verdade, nos fala docemente, constantemente nos irmana a Jesus, e nos ensina a amar-nos uns aos outros. E se ainda assim, não chegarmos juntos, como irmãos, por fim, no fim, descobriremos que sempre fomos todos irmãos. E que na casa do Pai só há uma Mesa e uma só Ceia!
Esse é o milagre do nosso Baptismo. Admito porém que pouco e mal ou só muito tarde ou nunca nos apercebamos dele. Da força de vida que traz e nos dá. Afinal, repare, afinal, Jesus é também Ele uma vocação demorada, aturada e tardia: recebeu o Baptismo depois dos trinta anos – idade bem madura para a época! – bem depois de ter caminhado imensamente, de ter buscado solução para a vida e se ter questionado. Cresceu como menino, interrogou-se como jovem. Amadureceu, fez rupturas e encontrou-se no meio da água de um rio em que João o mergulhou. Deus que caminhara com Ele com Ele esteve quando entrou no Jordão.
E seguiu estando e caminhando.
Esse é também o sentido da tarefa da nossa vida cristã: ir caminhando com Deus e desvelar em nós o projecto que Ele sonhou para nossa vida. Depois do Baptismo pouco ainda está feito, mas Deus mora em nós e anima-nos a ousar caminhar, interrogar e desvelar. Isso é ser-se cristão, porque é fazer desde a interioridade a experiência de descoberta de si mesmo e a transformação que Jesus também fez.
Contar-vos-ei um segredo secreto. Não sei se devereis dizê-lo a alguém, mas meditá-lo sim: Por escolha de Deus «no dia do Baptismo a pessoa baptizada sofre uma poderosa operação secreta. Através dela é-se gerado para o sobrenatural». Pelo Espírito somos gerados filhos à semelhança de Jesus, e o Pai proclama-nos filhos bem amados de quem se agrada. E se, orgulhosos e ufanos, os pais da Terra dizem «quem meus filhos beija minha boca adoça», imagine-se então o Pai eterno!
Chama do Carmo I NS171 I Janeiro 13 2013
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