sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Uma história com flamingos


Como um caminho a Quaresma conduz-nos à Páscoa. Podemos, porém, actualizar a imagem e dizer que a Quaresma é uma auto-estrada. A estrada é mais rápida que o caminho. E a auto-estrada, então... Esta tem, porém, outra característica que nos ajuda a reflectir: tem saídas várias antes do fim. Antes do fim (a Páscoa) existem um sem número de saídas que podem impedir de chegarmos à meta.
O Evangelho deste domingo diz-nos que Jesus conversava com Moisés e Elias. Sabe de que conversavam? Exactamente disso: da sua saída, do seu êxodo, da sua paixão e morte, do seu regresso à casa do Pai. O Evangelho diz que aceitando a sua paixão e morte Jesus diz sim à vontade do Pai.
No fim, por fim, também nós nos iremos aproximando da última saída. Não importarão os descaminhos percorridos nem as saídas feitas ao engano. Ela aprochegar-se-á. Por fim, apresentar-se-á à nossa vida a última saída: a casa do Pai! O Céu para sempre! Até lá há muito que (bem) percorrer.
Que belos e elegantes são os flamingos! Até a cor é bela. (Para quem gosta do rosa, claro está!) As patas são finíssimas, o pescoço elegante! E a cor rosa a completar.
Consta, porém, coisa que nunca vi, que não são sempre formosos e belos. Consta que nos primeiros anos a sua penugem puxa para o cinzento e o esverdeado. Não são nada belos! Mas aos três anos as jovens aves transfiguram-se e transvestem-se em aves de sonho.
O que também não sabia mas a National Geografic ensinou é que é pela alimentação que elas se transfiguram e se convertem em pássaros belos e elegantes, aqueles cujas fotos tanto gostamos de admirar! Os flamingos comem algas e camarões, e é tal comida que alimenta os seus corpos esbeltos e lhes dá a cor rosa! Não deixa de ser surpreendente tão curiosa mudança de look!
Ora veio-me à lembrança esta historieta por ser hoje o Domingo II da Quaresma, domingo em que lemos no Santo Evangelho a Transfiguração de Jesus ocorrida no Monte Tabor.
Narra o Evangelho que, sob o olhar atento dos três discípulos mais queridos – Pedro, Tiago e João – Jesus se transfigurou, o seu aspecto mudou e o seu rosto ficou cheio de glória e luz.
É um Evangelho incómodo!
Como vamos nós, pregadores, falar duma glória que jamais vimos? Como terá sido a
transfiguração de Jesus? Como dizer a
transformação que Nele se operou e os três discípulos tão bem (pres)sentiram que ficaram como bobos?
A quase única e marcante transformação que conhecemos é a da chegada das rugas da cara e das brancas do cabelo. Mas será isso a Transfiguração? E não será também verdade que tantas vezes o nosso espírito engelha em vez de rejuvenescer?
Por outro lado, como é bom poder esperar que o que Cristo preanuncia na Transfiguração se
há-de realizar em nós um dia!
Bendita transformação que aguardamos!
Como é bom poder esperar que o que Cristo preanuncia na Transfiguração tenha tão longo alcance que renove todas as coisas e a todas transfigure: os homens e as mulheres, os jovens e os velhos, os crentes e os descrentes, os sacerdotes e os leigos, os peregrinos e os eremitas, todos os que foram mordidos pelo mal e os que nele vivem amordaçados, e toda a realidade conhecida e a desconhecida, os animais, as aves, os vegetais, as flores, os frutos e as sementes, todos os elementos e todo o universo que escapa à inteligência e à imaginação.
Um dia tudo será transfigurado! Um dia tudo será novo e belo como uma noiva adornada! Um dia – sim, um dia! Mas quando será esse dia? – Cristo será inteiramente glorioso e belo!
Ó Belo Cristo, um dia serás inteiramente em nós! Serás inteiramente a nossa glória e a nossa luz! Entretanto, enquanto não chega essa alvorada sem fim, esse dia sem entardecer, cabe-nos a imensa tarefa de trabalhar para transformar a realidade humana até a elevar à justa justiça. Será tarefa extenuante e
aparentemente inalcançável, mas à qual a nossa colaboração se exige embora chegue sempre tardia e em déficit.
Mas sim, um dia Jesus subiu a uma montanha e transfigurou-se e assim revelou a sua real identidade. Pedro, Tiago e João assistiram boquiabertos ao mais inaudito show da história, contemplaram Jesus com Filho de Deus. Mas como não se pode ver a Deus e continuar vivo, os discípulos adormeceram e de nada se aperceberam e por isso não puderam contar o que não viram.
No domingo passado o Evangelho recordou--nos que todos estamos expostos à tentação. Várias vezes.  Hoje, a Transfiguração recorda-nos que todos somos convidados a
transformar a vida pelo encontro com Jesus. Custa subir ao Monte? – Custa. Custa vir à igreja ao domingo? – Também. Mas é com Jesus e por Jesus – comendo-O! –  que nos renovamos, nos transformamos e, por fim, nos havemos de revestir da sua glória.
Esta é uma história com flamingos, mas não só, porque todos somos o que comemos.

Chama do Carmo I NS 177 I Fevereiro 24 2013

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