domingo, 19 de janeiro de 2014

Parágrafro teresiano


No primeiro ou segundo domingo do Advento deste ano de 1568, celebrou-se a primeira Missa naquele pequenino portal de Belém, que não creio fosse melhor. Na quaresma seguinte passei por lá, de caminho para a fundação de Toledo. Cheguei de manhã. Estava o Padre Frei António varrendo a porta da igreja com o rosto alegre de sempre. «Que é isto, meu Padre?» – lhe disse – «Que é feito da honra?» – «Maldigo o tempo em que a tive!», respondeu, mostrando-me assim o seu grande contentamento.
Ao entrar na igreja, fiquei espantada por ver o espírito que o Senhor ali havia posto. E não só eu, mas também dois comerciantes, meus amigos, que me acompanhavam desde Medina, que não faziam senão chorar. Tantas cruzes! Tantas caveiras! Nunca mais me esquece uma cruz pequena de pau que estava junto da água-benta. Tinha pegada uma imagem de papel representando um Cristo. Parece-me que fazia mais devoção de que se fora coisa muito bem lavrada.
O coro era no sótão que tinha, no meio, altura suficiente para poderem recitar as Horas, mas tinham que abaixar-se muito para entrar e para ouvir Missa. Nos dois cantos do lado da igreja estavam duas ermidazitas onde não podiam estar senão deitados ou sentados. Estavam cheias de feno porque o lugar era muito frio e o telhado quase lhes tocava nas cabeças. Tinham dois postigos que davam sobre o altar, duas pedras por cabeceiras, e lá estavam também as cruzes e caveiras. Soube que, desde o fim de Matinas até Prima, não tornavam a sair, ficando ali em oração, e tão elevada que acontecia levarem muita neve nos hábitos quando iam para Prima sem que a tivessem sentido. Recitavam as Horas com um padre Calçado que foi passar com eles um tempo, não tendo chegado a mudar de hábito por ser muito doente, e um jovem frade que não era ordenado.

Santa Teresa de Jesus (1515 - 1582) - LIVRO DAS FUNDAÇÕES (14:6)

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