As três leituras deste domingo surpreendem-nos por aparecer unidas pela alegria do nascimento. A primeira fala duma virgem da qual nascerá um filho; a segunda dum filho nascido da descendência de David; o evangelho recorda a maneira como nasceu Jesus.
Ainda não é Natal e já tanto se fala do Nascimento!
A Palavra de Deus é forte. Tão forte que promete e cumpre: A Virgem deu à luz e continua virgem, isto é inteira, inteiramente de Deus, para Deus.
Não é ainda Natal, mas esperança de Natal, de luminoso nascimento do Filho de Deus e da Virgem. E quando Ele nascer repassado de frio logo será delicadamente envolvido nos poucos paninhos que em casa de Maria havia, e que ela, avisada, levou peregrinação fora, desde Nazaré até à gruta de Belém. E quando Ele nascer as mãos delicadas da Mãe hão-de acolhê-lO, aconchegá-lO, e deitá-lO no feno da mangedoira. E então, olhando-O deitado no feno fresco eu não puderei pensar senão na Páscoa. Ao lembrar--me dEle, nuzinho, a ser envolvido pela Mãe, só posso lembrar-me do seu corpo rasgado e nu, desvalido e exangue e a Mãe de lágrimas secas a chorá-lO deposto no materno regaço como num trono. E ao vê-lO dormido na mangedoira eu O vejo já, pacífico e só, recostado no rijo madeiro, antes de ser cravado e elevado na cruz.
Ah, a ternura do Natal como nos envolve de mistério e luz e nos aconchega a alma, mas não nos desliga da inteireza do mistério de Cristo!
Aquele que nos nasce é Salvador. Salva a vida toda com toda a sua vida. O Nascimento não obnubila a Paixão. O Natal preambula a Páscoa. Nada os desune ou os opõe. São o mistério, a realidade toda e toda salvadora de Cristo em favor da Humanidade.
Voltando ao princípio. Neste domingo a Palavra de Deus centra o nosso olhar no Nascimento. Abramos-Lhe as portas da casa e da alma de par em par para que possa entrar.
Como nos aquece e nos alegra o Nascimento de Jesus, ainda que ao fundo se vejam já as três cruzes do Monte Gólgota!
Nascerá, nasceu, foi assim!
Inevitavelmente me assalta a pergunta sobre a razão de nos nascerem tão poucos bébés.
Contemplando o Filho que nos nascerá e nasceu, essa pergunta anda a bulir-me a cabeça. É certo que a crise — artificial como alguns sustentam, pois se o dinheiro de algum lado fugiu foi concerteza do bolso dos pobres ! — não justifica tudo. Mesmo crendo que a crise já nos acompanha desde longe como uma lapa. Porque na verdade se a razão fosse o dinheiro ou ausência dele, então, sim então, os ricos deveriam ter muitos filhos, não é? Se para termos filhos tivéssemos de estar almofadados em dinheiro, a fim de que não se magoassem os pés dos meninos nas nuas pedrinhas da rua, por que não nascem mais filhos, muitos filhos, nas famílias ricas? Não é, porém, o contrário o que nós vemos: quanto mais ricos, menos filhos?
Casar exige confiança, nascer esperança. Os que casam fazem-no confiando no outro; gerar vida alimenta-se da esperança. Trazer uma vida ao mundo supõe generosidade, coragem, esperança, alegria de viver.
Esperança! Nada no mundo se faz sem esperança. Viver sem esperança é não viver, não é possível. Como não é possível viver sem ar.
Um filho que nasce são razões mil para a esperança, são alavanca para crer.
É feliz o profeta que oferece flores de esperança a alguém; é feliz o povo perdido que encontra nos caminhos da esperança a razão para acreditar, pois se levanta do chão. A esperança é verde como a primavera: faz milagres e ajuda a resistir às impossibilidades.
O Antigo Testamento sustentou o seu fôlego na esperança, com E maiúsculo, no que haveria de vir. A maneira de erguer do chão o Israel desanimado e abúlico foi enviar-lhe profetas que lhe injectaram esperança.
Neste tempo em que a Virgem vive de esperanças, dai-nos, Senhor, a fortaleza da esperança! Concedei-nos a esperança que nasce do vosso coração, esse rio sem igual, esse imenso caudal que dessedenta sempre que abrimos a boca e sem o qual seguiremos arrastando-nos! Concedei-nos a esperança que nasce do vosso coração, e que abre o coração das famílias aos pobres!
Não foste Tu, Senhor, que disseste «quem recebe um menimo em meu nome a Mim recebe»? Sim, que as nossas mãos, as nossas vidas, os nossos corações e regaços se abram ao Menino e jamais se encerrem! E jamais se cansem de acolher um menino pobre ou abandonado, ou adoptem uma criança dum qualquer país que leve por raiz a bandeira da fome e da injustiça.
Que as vidas dos nossos jovens casais, que se amam na fé e na esperança, se abram ao dom duma vida nova. Casais há em que a notícia da gravidez é causa de perturbação, mas quanta graça se derrama em forma de esperança sobre aqueles a quem nasce um filho!
Chama do Carmo I NS 89 I Dezembro 19, 2010
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