domingo, 5 de dezembro de 2010

Pelos trilhos de Deus

É perfeitamente natural que os conhecidos se abracem e se elogiem quando se estimam. Não surpreendem por isso as palavras de apreço de Jesus por João Baptista. E também não surpreende a clareza com que o Baptista convocou o povo para preparar os caminhos do Senhor, nem surpreende a firmeza como apontou o Messias já presente no meio do povo, nem a forma como se apagou para que a Luz verdadeira crescesse.
Segundo Jesus «o maior homem nascido de mulher» é João. Porque é Jesus quem o diz, obviamente acreditá-mo-lo, ainda que o Profeta se vista rudemente com uma pele de camelo, e se alimente da comida mais doce e crispy que existia: gafanhotos e mel silvestre.
Atenção que o maior homem fala neste domingo. E não é nada meigo. Iremos escutá-lo?
 
«Convertei-vos!»
Segundo São Mateus esta foi a primeira palavra que João Baptista pregou.
(Acautele-se!) Acautele-se porque a conversão que João Batista pregou rijamente não tem nada a ver com a confissão semanal ou esporádica. É algo mais radical. Tem a ver com a mudança de mentalidade, de escala de valores e de rumo. Imagine: Imagine que quer ir para Lisboa e por isso tem de seguir pela A1 e não pela A11, que nos leva a Braga. Até pode enfiar-se na A11 e seguir muito arrependido das faltas passadas, mas se não mudar de rumo chega a Braga e não a Lisboa! Que lhe adianta chegar prontamente à Roma portuguesa muito arrependido se o que precisava era chegar a Lisboa? Que caminho está a seguir, o falso ou o verdadeiro? Que irá corrigir?

«Dai o fruto que pede a conversão.»
João pregava a impossibilidade de se entrar no Reino de Deus que se aproximava sem antes haver conversão.
O maior dos Profetas não se calava nem diante da gente pobre e simples, nem diante dos ricos e poderosos. Com uns e outros foi rigoroso e exigiu conversão.
É essa também a mensagem que nos dirige a nós. É por isso que em cada Advento ele intercepta os caminhos tortuosos que percorremos. E o que exige a conversão que o Profeta reclama? Exige caminhos novos, isto é, que percorramos os trilhos de Deus, sim, esses mesmos que Deus quer trilhar quando vem ao nosso encontro. Assim, os montes da soberba devem ser derrubados; os carreiros das mesquinhices deverão ser limpos; e aplanados os vícios que impedem que Deus tome posse absoluta do nosso coração.
Não lhe parece que isto é linguagem clara? Que ela se dirige directamente a si? (E a quem mais haveria de ser?) Quando abrirá de vez e de par em par as portas da sua alma e da sua vida ao Senhor? Por que tanto caminharemos por trilhos ínvios evitando a Sua presença, desviando-nos dos encontros com Ele?
Eu sei que sabemos que estamos em advento e a caminho. Mas será que sabemos que o Advento que nos leva ao Natal exige que façamos um caminho de purificação e de esperança, de justiça, de paz e de amor?

«Não vos enganeis!»
Não vos enganeis, dizia o Baptista, porque o machado já está à raiz da árvore.
Um profeta jamais engana, porque as palavras que fala não são suas mas de Deus e não tem como não as dizer. O Baptista profetizou em nome de Deus quinhentos anos depois do último profeta ter falado. Quando parecia que Deus se tinha calado para sempre, eis que, finalmente, tem palavras para dizer. E o profeta falou contra o sossego do ledo engano em que o povo gostava de se embalar. E o pior dos enganos é o autoengano, cuja despertar se vai protelando.
Por isso, se não adormecemos anestesiados e já nos convertemos, porque então não damos frutos de conversão?
Quem já se converteu não encontra razão para ficar tranquilo e parar; sim, não nos pode bastar viver evitando pecar gravemente. Pelo contrário, devemos seguir em frente, chegar mais adiante, conquistar mais terreno ao inimigo. Porque depois do duro trabalho das grandes obras chega o tempo de cuidar dos pormenores. Quem já venceu os combates maiores deve provar a sua amizade com Deus e amar o que Ele ama. E ao recordar os dons recebidos (a vocação cristã, os sacramentos, a Igreja) deve ser agradecido em todos os momentos da sua vida.
Fazer o contrário é enganar-se.
Atenção, pois: não é suficiente pertencer ao povo dos eleitos. É preciso também fazer as obras de Jesus, porque não nos está permitido seguir Jesus sem abraçarmos os seus projectos.
Por que esperamos, pois?
(Chama do Carmo I NS 87 I Dezembro 5, 2010)

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