Ao celebrarmos a solenidade de São João da Cruz temos de, tal como dizem as nossas constituições, «fixar-nos no nosso pai São João da Cruz como imagem viva do verdadeiro carmelita». E ele, por sua vez, nos dirá as palavras do Apóstolo: «Sede meus imitadores como eu sou de Cristo».
João da Cruz é para nós um grande místico, um poeta extraordinário e um iminente doutor de teologia espiritual. A sua vida é o pleno cumprimento da nossa vocação, por isso temos de olhar para ele a fim de aprender a viver o quotidiano da nossa vida, para tomarmos as nossas pequenas e grandes decisões, para construirmos espiritual e materialmente o Carmelo de hoje.
Jamais percamos de vista João, jamais o consideremos um modelo inalcansável, tomemo-lo com o director espiritual, como mestre das coisas de Deus, como profundo conhecedor da nossa humanidade, como amigo e irmão que pela sua experiência nos pode ensinar a viver os momentos de dificuldade.
Para mim João é um homem simples. Creio que o resumo da sua santidade é a simplicidade. É uma simplicidade que junta harmonicamente valores que parecem contraditórios: austeridade e doçura, amor pela solidão e total abertura ao outro, profundidade de pensamento e leveza de inspiração poética, contemplação e actividade apostólica intensa.
Esta harmonia de opostos explica-se porque João assumiu plenamente a realidade da vida. Abandonou o seu eu e assumiu a realidade tal como é. Por isso exclama: «Meus são os céus e minha é a terra, tudo é meu, porque Cristo é meu e todo para mim»!
João chegou ao centro das coisas criadas e aí encontrou-se com Cristo, tudo revestido de Cristo.
Ao contrário de outros autores João não se fica na devoção por Cristo, antes se adentra na mina inesgotável dos seus mistérios sem nunca se desligar da realidade. Deus tudo reveste com a sua graça. E desde a Incarnação tudo está unido a Deus.
A contemplação é um encontro de olhares: Deus olha o homem com amor e com amor o homem chega a olhar a Deus que se entrega.
O símbolo mais original com que João descreveu o caminho da cruz é a noite escura. A sua inspiração poética nasce da transfiguração do caminho da cruz em caminho de fuga amorosa, de libertação em direcção ao Amado, porque, de facto, não é possível o encontro com o Amado sem mudança de vida. Esta mudança percebe-se e descreve-se no símbolo da noite. O encontro e o abraço realizam-se na noite, jamais no dia. A noite é o lugar da perda de autonomia, da capacidade de escolha. Quem se abandona à escuridão a mesma escuridão torna-se luz, porque na escuridão aumenta o desejo, a chama de amor viva daquele que «me estava esperando num lugar diferente de qualquer outro».
(Tradução adaptada)
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