Numa sexta-feira de manhã vi um jovem rapaz, belo e forte, caminhando pela periferia da cidade. Empurrava um carrinho velho cheio de roupas novas e bonitas, e apregoava: – Traaaaaaapos! Traaaaaaaapos! Troco trapos novos por velhos!
Eu não compreendia como um homem bonito e jovem se dedicava aquele negócio. Decidi então segui-lo e não dei o tempo por perdido.
O trapeiro topou com uma mulher que chorava desconsoladamente e enxugava as suas lágrimas a um lenço grande como uma toalha.
– Dê-me o seu lenço e eu lhe darei outro, disse o jovem.
Docemente retirou-lhe o lenço dos olhos e pôs-lhe um limpo entre as mãos. Era um lenço tão belo e brilhante que até resplandecia.
O trapeiro seguiu o seu caminho e eu pude ver algo estranho: levava ele o lenço à cara e empapava-o com as suas lágrimas.
Isto é maravilhoso, pensei eu! E continuei a segui-lo, enquanto o trapeiro gritava mais uma vez: : – Traaaaaaapos! Traaaaaaaapos! Troco trapos novos por velhos!
Pouco depois o trapeiro deu de caras com uma menina de cabeça enfaixada e os olhos vazios. As faixas estava empapadas de sangue e o sangue corria pelas melenas do cabelo.
O trapeiro olhou-a com amor e disse-lhe: – Dá-me os teus trapos e eu te darei os meus.
Tirou-lhe então as ligaduras e atou-as na sua cabeça. À menina ofereceu um gorro amarelo e a ferida de sangue secou. Escorria agora um fiozinho de sangue da cabeça do trapeiro.
– Traaaaaaapos! Traaaaaaaapos! Troc
Vi que parava entretanto para falar com um homem a quem perguntou se ia trabalhar.
Este respondeu-lhe: – Não tenho trabalho. Quem é que vai contratar um homem que só tem um braço?, e mostrou-lhe a manga da camisa vazia.
– Dá-me a tua camisa e eu te darei a minha, disse-lhe o trapeiro.
O amputado tirou a camisa e o trapeiro fez o mesmo. E eu tremi quando vio que sucedia. Vi como o braço do trapeiro ficou dentro da manga da sua camisa e quando o homem a colocou tinha os braços sãos. Mas o trapeiro ficou a pensa com um braço.
– Vai trabalhar!, disse-lhe o trapeiro.
Encontrou depois um bêbado que jazia no chão coberto com uma manta suja. Mais parecia um enfermo. O trapeiro cobriu-se ali com a manta velha e cobriu o enfermo com roupas novas.
A mim doía-me a tristeza, porém continuei a averiguar as suas intenções. Finalmente chegou a uma grande lixeira. Pensei então em dar-lhe a mão e ajudá-lo, mas preferi esconder-me. Ele subiu ao alto da lixeira, deu um grande suspiro e caiu. Vi-o cobrir-se com os trapos velhos que havia trocado e morreu.
Chorei amargamente, eu que era testemunha da sua morte; eu que havia chegado a amá-lo. E enquanto dormia chorei amargamente. Dormi durante toda a sexta-feira e todo o sábado. No domingo pela manhã uma luz violenta acordou-me. Era uma luz tão forte, tão forte, que eu não podia olhá-la. Meus olhos atónitos puderam então ver o milagre. Ali, sim, ali à minha frente o trapeiro, de pé, dobrava a manta. Estava vivo, tão só com uma cicatriz na cabeça. Não havia nele o menor sinal de tristeza ou de idade. Todos os trapos que havia recolhido ao longo da sua jovem vida estavam limpos.
Inclinei a cabeça assombrado por tudo quanto tinha visto. Saí do meu lugar e encaminhei-me para o trapeiro e disse-lhe o meu nome. Tirei a minha roupa e disse-lhe: – Dou-te todos os meus trapos velhos. Veste-me com os teus trapos novos. Faz-me novo outra vez!
Ele vestiu-me. Pôs-me os trapos novos e agora, junto do trapeiro, eu pareço um príncipe.
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