5. Queria partilhar convosco um artigo que escrevi no Mensageiro, após ter estado na Novena Nossa Senhora do Carmo, um artigo que algum de vós conheceis.
6. Afirmou Paulo VI: «as palavras convencem, mas os exemplos arrastam». Compreendi melhor esta afirmação a meados de Julho. Na missão de «pregador» estive na Igreja do Carmo, em Viana do Castelo, a “pregar a novena de Nossa Senhora do Carmo”. Não a ela, mas ao povo! Primeiro escutei a Palavra. Depois confrontei-a com a minha fé e olhei ao meu redor. A seguir, falei ao povo (de Deus) usando a simbologia das flores para apresentar algumas virtudes de Nossa Senhora e da vida cristã.
Foram nove dias com muita gente. As flores, os símbolos, os cânticos, a procissão pelas ruas da cidade…; tudo serviu para honrar aquela Senhora, que é do Carmo, mas de Deus e de todos os homens também. É Mãe do Menino Jesus. Não o disse a ninguém, mas no fim da procissão perguntava-me: Que tendes Vós, ó Virgem Maria, para atrair tanta gente? Talvez por ter falado tão pouco e ser reconhecida como o melhor exemplo de amor a Deus e à humanidade. Os exemplos arrastam!
7. Contudo, ao lado de tudo isto, também no Carmo, estava uma outra mulher que não ouve nem vê. É cega e surda! Ali está, solitária, no seu quarto. Quem a trata e serve é uma outra mulher, quase solitária, mas acompanhada de grande caridade. Antes de regressar, fui visitar a solitária, cega e surda, pois sei que é uma grande amiga do Menino Jesus de Praga. Depois de me reconhecer pela voz e pelas barbas, fez-me um sermão e disse-me palavras. Na despedida, pelo tacto das mãos, tirou um papel da sua carteira para eu ler. Dizia assim: «Tudo vou sofrer pelo Teu amor. Tudo vou sofrer pelo Teu carinho. Tudo vou sofrer pelo Teu afecto, meu querido Menino Jesus. E assinava o papelito desta maneira: A Tua amiga solitária.»
Foi precisamente esta assinatura que me acompanhou toda a viagem até Avessadas. Quanta gente assim, isto é, amiga solitária do Menino Jesus. Este exemplo arrastou-me até junto de todas as pessoas solitárias, incompreendidas, abandonadas, presas, excluídas, cegas , mudas … Em pensamento, fui até junto das tocas dos eremitas, dos homens e mulheres que optaram pela solidão, pelo silêncio, pela oração, pelo trabalho. Recordei vidas contemplativas, cheias de momentos de solidão, deserto, abandono…E, baixinho, ia dizendo para comigo: olha este, foi mais um dos amigos solitários de Deus, Por acaso, a sabedoria popular interrompia-me para dizer «mais vale sozinho do que mal acompanhado»! Mas com o Menino Jesus, com Deus, ninguém está sozinho nem mal acompanhado!
8. Nesse mesmo dia – o de Nossa Senhora do Carmo (dia 16 de Julho) – participei, à tarde, noutra grande enchente de povo. Era a ordenação de cinco novos presbíteros, no nosso Santuário dedicado ao Menino Jesus. Imagino a azáfama dos meus confrades por estes dias. O certo é que estava tudo muito bonito. A cerimónia decorreu lindamente. Cânticos, abraços, felicitações, prendas…à noite, na paz da minha cela conventual, ao repassar o belo dia que Deus me concedeu viver, vi que tudo volta à solidão. As festas acabam, os dias lindos acontecem de longe a longe. Ou até poucas vezes na vida, mas a beleza da amizade é permanente e quotidiana. Razão tinha o solitário S. João da Cruz, quando escreveu: «A alma que vive no amor não cansa nem se cansa» (D96), anda sempre como que de festa. A questão não é estar só, ser solitário, mas viver no amor. A vocação de um carmelita é ser um amigo forte de Deus, como queria Santa Teresa de Jesus.
«Quando estamos sós, quando somos mais nós próprios, sem subterfúgios nem evasões, é quando Deus se mostra mais perto de nós. Aí fazemos a experiência de Deus como Pai amoroso que nos conhece melhor do que nós nos conhecemos a nós próprios» (J. Tolentino Mendonça».
A todos os amigos solitários do Menino Jesus, sobretudo aos doentes e idosos, deixo este gesto de comunhão e a convicção de que os nossos nomes «estão gravados nas palmas das mãos de Deus» ( Is 49,15-16).
9. A nossa irmã Lília, florzinha de Nossa Senhora do Carmo, já não é muda, já não é surda, já não é solitária. Está perto de Deus e em Deus está em paz, está connosco, com os anjos e santos. E nós partilhamos Deus esta flor cheia da beleza da fé e da amizade.
P. Agostinho Leal
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