sábado, 19 de junho de 2010

Por que é que a santidade não é popular?

Junho em Portugal é festa. Festas populares. Dizem que é por causa dos santos. Qualquer comunidade descobre motivos para se reunir à volta das sardinhas assadas e dos pimentos, dos mangericos e das concertinas, dos bailaricos das ruas, das fogueiras e dos balões que sobem ao ar. Dizem que quem puxa pela nota são os Santos Populares: Santo António, a 13; São João, a 24; e São Pedro a 29.
Mas porque são estes os Santos Populares, e, por exemplo, não o é o sisudo São Paulo, que também se celebra no mesmo dia de São Pedro?
Estarei longe de considerar que são os comes e os bebes, os farnéis e os tonéis, que popularizam um Santo. Bem entendido que não. Mas também entendo que uma barriguinha melhor aconchegada encontra mais razões para bendizer e cantar o Santo, que uma vazia. Por alguma razão se diz que o Evangelho não se prega a barrigas vazias. Ora, se o calendário litúrgico posicionou os três Santos Populares no tempo da sardinha gorda e do calor das pré-férias, isso é certo que no mínimo os torna mais nomeados.
A questão, porém, é mais funda. Por que existem Santos que não são populares como Santo António, pobre frade franciscano; João Baptista, austero pregador do arrependimento; e Pedro, o rude pescador impulsivo e autoritário do Mar da Galileia?
É certo que em vida eles atraíram multidões, e também é certo que nada havia nelas que saciasse as multidões amantes do regabofe e da tamanquinha a dar a dar.
A questão é ainda mais radical: que fazer com os Santos cuja santidade nos inspira hoje repugnância mais que desejo de imitação e de seguimento? Que santidade haveremos de promover: a dos Santos da sardinha assada, a dos Santos de vida esquisita, ou outra? E qual outra? Ou será que a santidade não mais será popular sem sardinhas, concertinas e vinho?
A primeira resposta é que sim, que Deus, o Pai, fonte de toda a santidade nos quer santos. Que o Baptismo nos inscreve no caminho ascendente da santidade. Que Deus não excluiu ninguém do seu plano de santidade, que é o universal plano da salvação. A santidade não é portanto para minorias eleitas, mas para a totalidade dos filhos. De Deus.
E mais: o ideal do combate pela santidade foi entretanto abandonado por um outro. Pelo do abandono e confiança. (Obrigado, S. Teresinha!) Dito de outro modo: já não é santo apenas quem quer que se afoite no combate, mas quem deixa. Tempos houve em que só se propunha o caminho da santidade a quem se oferecesse para a mais dura e cega batalha contra si mesmo. Só quem se dispusesse a uma irredutível ascese poderia ser galardoado com a medalha e a coroa da santidade. (E que bem que alguns as exibiam sem que a verdade vivida interiormente condizesse com o manifestado! ) Mas não. Hoje não assim. A proposta de santidade a que nos desafiamos é a de confiar em Quem nos inspira os desejos santos, que Quem os inspira também dá a força e garra para voar aos mais altos cumes.
A santidade é para todos, mesmo os não baptizados. Todos, até os maus. Todos os que fazem da sua vida uma vida consentida, uma vida com sentido de absoluto. Nada em nossa vida tem elevação de totalidade e infinito se a não inscrevermos no sentido e orientação de Deus, se a não depusermos em suas mãos, se, confiando menos em nós, e mais nEle, lha não confiarmos a fim de que faça o que não saberemos ou jamais alcançaremos fazer.
A santidade é para essa imensa maioria que ninguém pode abranger com o olhar nem contar com matemáticas humanas. É para quem estiver disponível para aceitar a sua pequenez e fragilidade, a sua dependência, a sua sede da frescura da Fonte Eterna que mana e corre mesmo de noite.
Por que não é hoje simpática e popular a ideia da santidade? Ora, porque já não é popular a ideia de ascese e ainda não se divulgou a ideia da confiança. Uma exige combate, a outra abandono. Enfim, poucos são os que querem suar as estopinhas e ainda são poucos os dispostos a reconhecer a sua fraqueza e confiar em Quem tudo pode. Sim, quem é que neste mundo de dura brega competitiva aceitará facilmente a ideia de se apoiar e abandonar, mesmo que seja a Deus? Ideia por ideia, é sempre mais aceitável ser da equipa dos rijos guerreiros que da dos meninos fraquinhos. Ora se a proposta de santidade passa hoje por aceitar a pequenez e a fragilidade pessoal em contraponto à grandeza espiritual antes elogiada e promovida, não vejo que seja ideia que venha a tornar-se muito popular. Não sei de um pai que seja com gosto de ensinar um filho a ser um zero, mesmo dizendo-lhe que o zero pode (vir a) ser um milhão, espécie de combóio onde como se sabe, há lugar para muitos zeros!
No ADN espiritual que nos configura está-nos inscrita mais a ideia de luta pela superação dos limites, que a sua aceitação pela serena entrega a Quem nos ama apesar deles, e assim nos quer para Ele. Não é de todo popular a ideia de se ser santo, mas é esse o caminho e a meta para que tendemos. Tal projecto encontra em cada um de nós um lugar para florescer e pernas para andar: pois mal vale estar carregado junto de quem é o forte, que livre junto dum fraco.
Chama do Carmo I NS75 I Junho 20, 2010

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