domingo, 26 de agosto de 2012

Cumprem-se hoje 100 anos do nascimento do Papa do sorriso, João Paulo I. Certa vez, num discurso como Papa, confidenciou:
Procuremos melhorar a Igreja, tornando-nos melhores. Cada um de nós, toda a Igreja, poderia rezar a oração que eu costumo rezar:
Senhor, aceita-me como sou,
com os meus defeitos, com as minhas faltas,
mas faz que me torne como Tu desejas.
Ó Senhor, ame-Vos eu cada vez mais.

Transverberação do coração de S. Teresa da Jesus

Na liturgia da nossa família carmelitana recordamos hoje a Transverberação do coração de Santa Teresa de Jesus. A vida da Santa foi rica em graças divinas, que ela sentiu mas não com os sentidos corporais, pois aconteciam a um nível mais elevado. No Livro da Vida (29,13) ela descreve assim a graça: «Do meu lado esquerdo eu via um anjo em forma corporal. Via nas suas mãos um dardo de ouro fino, e na ponta do dardo parecia-me haver uma chamazita. Parecia-me que o dardo entrava no coração várias vezes e que o fogo me chegava às entranhas. Ao sair do dardo parecia-me ficava o meu interior todo abrasado em grande amor de Deus. É um requebro tão suave entre a alma e Deus, que eu muito peço à Sua bondade o deu a saborear a quem pensar que minto.»

sábado, 25 de agosto de 2012

A visita da Beatriz BP


A Beatriz veio no dia 22 à casa de Jesus (e da Mãe de Jesus). Não foi só vir, ela veio também ensinar o caminho ao mano Pedro, que é bébé de um par de meses, e em breve aqui há-de ser baptizado como ela o foi. Antes de partir quis deixar uma flor à Mãe de Jesus. E assim foi, deixou-a no quadro da Anunciação que está numa das galerias dos claustros.

Os inícios são sempre difíceis

Os inícios da nova família do Carmo foram difíceis. Aquando da primeira fundação o P. Julián de Ávila testemunhou que existiram «imensas diligências para apagar o fogo que estava abrasando a cidade»:
As monjas do carmelo da Encarnação sentiram a nova fundação como uma afronta e acrescentam que se a Irmã Teresa quer ser santa pode sê-lo ali. E obrigam-na a regressar;
A sociedade civil rejeitava a fundação de mais um convento, porque o teria de manter com as suas ajudas e esmolas;
A Câmara Municipal combateu a fundação declarando que os muros do convento projectavam sombra sobre as fontes públicas;
Por fim, as autoridades religiosas temem que o novo convento seja um refúgio de mulheres heréticas – as iluminadas.
Avisadamente, alguns amigos da Irmã Teresa de Jesus avisam-na da existência de um complot para acabar com o seu projecto: «Vieram-me dizer, muito assustados, que, por aqueles dias tão difíceis, se poderia levantar algum falso testemunho e se me acusasse à Inquisição. Eu não pude senão soltar uma gargalhada, pois jamais tive medo da Inquisição. Eu sabia muito bem que em coisas de fé, de sacramentos da Igreja ou por qualquer verdade da Sagrada Escritura eu me dispunha a morrer mil mortes. Por isso lhes respondi que por aí nada temessem» (Livro da Vida 33,5).
Os poucos amigos que ficaram do seu lado permaneceram fiéis durante aqueles dias tão terríveis:
Francisco de Salcedo aguentou pacientemente todas perseguições e escárnios, pois continuava a ajudar e a visitar as Carmelitas.
O P. Domingo Báñez foi o único que defendeu Santa Teresa quando o conselho da cidade de Ávila se reuniu para tratar do caso. Ao gerar-se consenso para queimar e derrubar o convento, foi ele que advertiu para tal impossibilidade, sob pena de excomunhão, pois o convento fora fundado com as licenças do Bispo e do Papa!
O P. Gaspar Daza celebrou ali a primeira missa e deu o hábito às primeiras quatro noviças. Quando houve de se deslocar a Madrid ali se deslocou, pagando a viagem e estadia do seu bolso durante todo o tempo necessário para defender as Carmelitas perante do Conselho Real, para onde a cidade de Ávila havia recorrido.
Meio ano depois, o P. Pedro Ibáñez deslocou-se de Ávila ao encontro do Provincial dos Carmelitas para alcançar dele as licenças necessárias para que a Irmã Teresa de Jesus e um punhado de monjas saíssem do convento da Encarnação e entrassem no de São José.
Quando teve de falar dos seus trabalhos, Teresa confirma que o primeiro que fez foi ensinar as noviças a rezar a Liturgia das Horas. E diz que elas eram «quatro pobres órfãs», o que leva a supor que antes teve de as ensinar a ler, coisa que, aliás, posteriormente aconteceu mais que uma vez.
Por fim pôde iniciar o seu tão desejado estilo de vida. Nessas alturas tão difíceis o Senhor consolou-a, fazendo-a ouvir na oração que «esta casa é um cantinho de Deus, o paraíso do seu deleite» (Livro da Vida 35,12).
Quando as pessoas foram conhecendo a maneira de viver de Teresa e das suas freiras, venceram-se todos os preconceitos e muitos se afeiçoaram a elas a ponto de se tornarem seus benfeitores; «Muita era a devoção que as pessoas começaram a ter a esta casa» (Livro da Vida 36:32).
Entretanto, no conventico de São José florescem os princípios fundamentais da tradição carmelitana e fundem-se a ela novas intuições que iluminarão o futuro com uma das mais fecundas correntes de espiritualidade que alimentam a Igreja.
As freiras do carmelo de São José serão um pequeno «colégio de Cristo» que agrupa no máximo 13 mulheres (12 como os apóstolos à volta do Senhor; mais tarde o número subirá para 21!). Era uma comunidade pequena, mas empenhada e vocacionada. Eram mulheres que encontraram em Cristo o seu amigo, companheiro e esposo. Com Ele se querem alegrar, a Ele estão dispostas a consolar e por Ele não lhes preocupa morrer. A sua austeridade de vida tinha um objectivo: centrar-se no essencial; a sua alegria contagiante e a sua constante oração pelos defensores da Igreja convertê-las-ão em sal, luz e levedura de que o mundo tanto precisa. O de ontem e o de hoje.

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Fundação do Carmelo de São José (de Ávila)

Cumprem-se hoje, 24 de Agosto, os 450 anos da fundação do convento de São José de Ávila pela mão de Santa Teresa de Jesus. Assim se passaram as coisas:
Numa tarde de Setembro de 1560, encontravam-se reunidas na cela de Dª Teresa de Cepeda y Ahumada, no convento da Encarnação, duas suas sobrinhas que ali se criavam com ela e dez outras religiosas amigas. Comentavam naquele momento uma carta circular que o Rei Filipe II fizera chegar a todos os conventos do reino e na qual expunha os prejuízos provocados pelos protestantes em França, e pedia orações pela unidade da Igreja. A conversa das intervenientes logo derivou para o bem que faz a oração dos bons religiosos, dos antigos eremitas do Monte Carmelo, de Frei Pedro de Alcântara e das Irmãs Descalças Reais que ele havia reformado, e da beleza que seria viver numa comunidade assim. Logo de seguida a sobrinha Maria de Ocampo assegurou que, caso se evoluísse para uma comunidade assim, ela ofereceria mil ducados do seu dote; e Dª Guiomar de Ulloa, senhora nobre que se havia ajuntado ao grupo, prometeu a sua ajuda. Teresa não estava muito convencida, mas poucos dias depois, ao comungar, sentiu que Cristo «me mandou muito que fundasse, fazendo-me grandes promessas de que não se deixaria de fazer o convento» (Livro da Vida 32,11).
Começaram aqui dois anos de lutas permanentes. Os seus conhecidos dizem que é uma autêntica loucura. Por sua vez, ela requer pareceres autorizados, pelo que escreve aos padres Pedro de Alcântara, Francisco de Borgia e Luis Bertrán – cada um a seu tempo será canonizado! –, que lhe responderão apoiando-a incondicionalmente. O provincial dos Carmelitas, P. Ángel Salazar, também aprova a fundação, e em virtude disso decide-se pedir um Breve Papal para a concretizar. Quando a notícia se conheceu no convento da Encarnação e na cidade de Ávila, a maioria pôs-se contra, pelo que o provincial retirou o seu apoio (Livro da Vida 32,15).
Acusaram-na de iluminada e de endemoninhada, em virtude do qual se decidiu pedir parecer ao teólogo de maior nomeada residente em Ávila – o dominicano P. Pedro Ibáñez. Teresa escreveu uma longa declaração de 40 parágrafos declarando-lhe a situação do seu espírito: esta é a primeira Conta de Consciência que conservamos. Apesar da oposição da cidade e das pressões que recebe, o parecer do padre dominicano foi positivo a que ajuntou uma declaração laudatória escrita em 33 pontos. Reconfortada Teresa decide pedir novo Breve Papal, com o pormenor de colocar o mosteiro sob a obediência do bispo, visto que o anterior permitia a fundação sob a obediência do provincial dos Carmelitas, que agora, como vimos, não está de acordo.
Apesar de crescerem as oposições externas, Teresa chamou de Alba de Tormes a sua irmã Joana e o seu cunhado, a fim de se encarregarem das obras de adaptação de uma casinha situada fora das muralhas de Ávila (Livro da Vida 33,4ss). Entretanto, as obras atrasaram-se porque, inesperadamente, caíram umas paredes, uma das quais sobre um dos sobrinhos de Teresa, que foi dado como morto. Quando a Santa se apercebeu logo correu para a obra e recolheu o corpinho do menino, acariciando-o e abraçando-se a ele. Entretanto, o menino despertou e Teresa entregou-o à mãe: não houve operário que não cantasse o milagre! A resposta de Teresa foi das boas: milagre, disse ela, era como se mantinha de pé um muro tão mal construído que obrigava agora a ser levantado de novo. A obra andou e logo faltou o dinheiro, mas inesperadamente o seu irmão Lourenzo mandou da América um punhado de moedas de ouro que ajudaram a prosseguir os trabalhos (Carta 2,1-2).
Quando tudo ficou em maiores apertos e complicações, Teresa recebeu ordem do provincial para se deslocar a Toledo, ao palácio de Dª Luisa de la Cerda: «esta senhora estava muito aflita e em grave risco de perder o juízo por causa da perda do seu marido (…) muito boa gente a tentara consolar chegando mesmo a trazer-lhe pessoas santas, mas ninguém conseguira nada» (Livro da Vida 34). Teresa permaneceu em Toledo os seis primeiros meses de 1562, o tempo suficiente para ganhar a amizade de Dª Luisa e das gentes da sua casa. Ao mesmo tempo teve a sorte de entrar em contacto com as mais altas individualidades da sociedade civil e eclesiástica de Espanha.
Foi também nesta altura que se encontrou com a Irmã Maria de Yepes, carmelita de Granada e futura Irmã Maria de Jesus na fundação de Alcalá de Henares. Esta religiosa caminhara a pé desde Roma trazendo consigo o Breve que autorizava a fundação de um convento reformado do Carmo onde se vivesse em absoluta pobreza, segundo a Regra primitiva. Teresa desconhecia este ponto da Regra. Decide então, sob conselho de São Pedro de Alcántara e a oposição dos letrados do momento, que as Irmãs que queiram entrar com ela no conventinho vivam do trabalho das suas mãos e de esmolas, sem rendas nem outras seguranças. E foi assim que Teresa decidiu pedir um terceiro Breve Pontifício, que a autorize a fundar nessas condições. O Breve chegará, porém, quando a fundação de São José já se encontrar realizada (Livro da Vida 39,14)
Isto foi uma das coisas que mais a fez sofrer no seu regresso a Ávila. De facto, nos finais de Junho, Teresa regressou a Ávila. Entretanto, frei Pedro de Alcântara, consegue que o bispo D. Álvaro Mendoza, assuma o projecto da fundação sob a sua obediência. Ultrapassam-se assim as últimas dificuldades e no dia 24 de Agosto de 1562 inaugura-se o conventinho de São José (Livro da Vida 36,5). Teresa tinha 47 anos. Começam agora para ela «os cinco anos mais descansados de toda a minha vida (Livro das Fundações 1,1).

Narração da fundação do Carmelo de São José de Ávila (V)

«Tudo se fez debaixo de grande segredo, porque, a não ser assim, nada se poderia fazer, pois o povo estava contrário, como depois se viu. Ordenou o Senhor que adoecesse um cunhado meu, sem cá estar sua mulher e, em tanta necessidade, deram-me licença para o ir tratar. Assim com este motivo, de nada se desconfiou, embora nalgumas pessoas não se deixasse de suspeitar qualquer coisa. Contudo não o acreditavam. Foi coisa de espantar, pois meu cunhado não esteve doente além do tempo necessário para concluir o negócio; e quando foi preciso que tivesse saúde para eu me desocupar e ele deixar desocupada a casa, logo o Senhor lha tornou a dar, do que ele estava maravilhado.

Passei muito trabalho a instar com uns e com outros que se admitisse a fundação; e com o enfermo, e com os oficiais para que se acabasse a casa a toda a pressa, e tivesse ar de convento, pois faltava muito para se acabar. E a minha companheira não estava aqui, pois pareceu-nos que era melhor ausentar-se para mais dissimular. E eu via que tudo dependia da brevidade, e isto por muitos motivos: um, era porque temia que a toda a hora me mandassem voltar. Foram tantas as coisas a dar trabalhos que pensei se seria esta a cruz, conquanto me parecesse que era pouco para a grande cruz que eu tinha entendido do Senhor que havia de passar.
Pois, estando tudo terminado, foi o Senhor servido que, no dia de S. Bartolomeu, tomassem hábito algumas. Pôs-se o Santíssimo Sacramento, e com toda a autoridade e força ficou fundado o nosso mosteiro do nosso gloriosíssimo Pai S. José, no ano de mil quinhentos e sessenta e dois. Estive eu a dar-lhes o hábito e outras duas freiras da nossa mesma casa que acertaram a estar fora do mosteiro da Encarnação. Como nesta, em que se fez o convento, era onde estava meu cunhado, que a tinha comprado, como tenho dito, para melhor dissimular o negócio, eu estava ali com licença. Nem eu fazia coisa sem ser com o parecer de letrados, para não fugir a um só ponto da obediência. Estes, como viam isto ser por muitos motivos muito proveitoso para toda a Ordem, embora eu andasse com segredo e acautelando-me para que não o soubessem meus prelados, diziam-me que o podia fazer. Por muito pouca imperfeição que me dissessem que era, mil mosteiros me parece que deixaria, quanto mais um. Isto é certo porque, embora desejasse a fundação para mais me apartar de tudo e guardar minha profissão e chamamento com mais perfeição e clausura, de tal maneira o desejava, no entanto, que se entendesse que era mais serviço do Senhor deixá-lo de todo, tê-lo-ia feito – como o fiz da outra vez – com todo o sossego e paz.
Foi pois para mim como estar em glória, ver colocar o Santíssimo Sacramento e que se remediaram quatro órfãs pobres (porque não se recebiam com dote), e grandes servas de Deus. Logo de princípio foi isto que se pretendeu: que entrassem pessoas que, com seu exemplo, fossem fundamento em que se pudesse efectuar o intento que levávamos de muita perfeição e oração. Via, assim, realizada uma obra que eu tinha entendido que era para serviço do Senhor e honra do hábito de Sua Gloriosa Mãe, que estas eram as minhas ânsias.
E também me deu muito consolo o ter feito o que o Senhor tanto me mandara, e mais outra igreja neste lugar, dedicada a meu Pai, o glorioso S. José, pois que não havia outra. Não que a mim me parecesse que nisto tinha feito alguma coisa, que nunca tal me parecia, nem parece. Sempre entendo que tudo é obra do Senhor; e o que fazia da minha parte, ia com tantas imperfeições, que antes vejo haver de que me culpar e não de que me agradecer. Contudo, era-me grande gozo ver que Sua Majestade se servira de mim,
como instrumento duma tão grande obra sendo eu tão ruim.
Estive assim com tão grande contentamento, que estava como fora de mim, em elevada oração».

(Vida 36, 1.6)

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Narração da fundação do Carmelo de São José de Ávila (IV)


«O que Vos ama de verdade, Bem meu, vai seguro por caminho largo e real. Longe está o despenhadeiro; mal vai o tropeçar e já Vós, Senhor, lhe dais a mão. Não basta uma queda, nem muitas, para se perder, se Vos tem amor e não às coisas do mundo, pois vai pelo vale da humildade. Não posso entender o que é que temem de se meterem no caminho da perfeição.
O Senhor nos dê a compreender, por Quem é, como é má a segurança em tão manifestos perigos como são os de andar arrastado pela corrente do mundo, e como a verdadeira segurança está em procurar ir muito adiante no caminho de Deus. Olhos fixos n’Ele e não haja medo de que se ponha este Sol da Justiça, nem que nos deixe caminhar de noite para nos perdermos, se nós primeiro não O deixamos a Ele.
Não temem andar entre leões – e parece cada um querer levar um pedaço – que são as honras e deleites e coisas semelhantes a que se chama no mundo contentamentos; e aqui parece que o demónio faz temer musaranhos. Mil vezes me espanto e dez mil quereria fartar-me de chorar e dar vozes e dizer a todos a minha grande cegueira e maldade, para que aproveitasse um pouco para eles abrirem os olhos. Abra-nos Aquele que o pode, por Sua bondade, e não permita que se tornem a cegar os meus. Amen.»
(Vida 35,14)

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Narração da fundação do Carmelo de São José de Ávila (III)

«Importou tanto o não tardar eu nem mais um dia para o que tocava ao negócio desta bendita casa, que não sei como se poderia concluir se eu então me demorasse. Oh! grandeza de Deus! Muitas vezes me espanto, quando considero e vejo quão particularmente queria Sua Majestade ajudar-me para que se efectuasse este cantinho de Deus, pois creio que o é, e morada onde Sua Majestade se deleita, como uma vez, estando eu em oração, me disse que, esta casa era para Ele paraíso de deleite. E assim parece Sua Majestade ter escolhido as almas que trouxe para aqui, em cuja companhia vivo com tanta, tanta confusão. Nem eu as soubera desejar tais para esta vida de tanta austeridade, pobreza e oração. E levam-na com uma alegria e contento tal, que cada uma se acha indigna de ter merecido vir para este lugar. Em especial, há algumas que o Senhor chamou de entre muita vaidade e galas do mundo, onde poderiam estar contentes conforme as suas leis, e tem-lhes dado o Senhor aqui tão dobrados gozos, que elas claramente reconhecem ter-lhes dado cem por um do que deixaram e não se fartam de dar graças a Sua Majestade. A outras, tem Ele mudado de bem para melhor. Às de pouca idade dá fortaleza e conhecimento para que não possam desejar outra coisa e entendam que, ainda mesmo cá em baixo, é viver em maior descanso o estarem apartadas de todas as coisas da vida. Às que são de mais idade e com pouca saúde, dá forças, e lhas tem dado, para poderem levar a aspereza e penitência como as outras.
Oh! Senhor meu, como mostrais que sois poderoso! Não é mister buscar razões para o que Vós quereis, porque, por sobre toda a razão natural, fazeis as coisas tão possíveis que dais bem a entender que mais não é meu, façais tudo fácil. Aqui bem se pode dizer: «fingis trabalho em vossa lei», porque eu não o vejo, Senhor, nem sei como «é estreito o caminho que a Vós leva». Caminho real, vejo que é, e não senda; caminho onde, quem nele entre de verdade, vai mais seguro. Muito longe estão os recifes e despenhadeiros para cair, porque estão longe das ocasiões. Senda ruim e caminho apertado chamo eu o que, dum lado tem um vale muito profundo onde se pode cair, e do outro um despenhadeiro. Ainda mal se descuidam, os que por aí seguem, quando se despenham e fazem em pedaços.»
(Vida 35, 1)

terça-feira, 21 de agosto de 2012

Narração da fundação do Carmelo de São José de Ávila (II)

«Tornou meu confessor a dar-me licença para eu me pôr a isso, tanto quanto pudesse. Eu bem via o trabalho em que me metia, por estar muito só e ter pouquíssimas possibilidades. Assentámos em que se tratasse de tudo com todo o segredo, e assim procurei que uma irmã minha que vivia fora daqui, comprasse e arranjasse a casa como se fosse para si, com dinheiros que o Senhor deu, por diversas vias, para a comprar. Seria longo contar como o Senhor foi provendo a tudo. Andava eu com grande cuidado de não fazer coisa alguma contra a obediência; mas bem sabia que, se o dissesse a meus prelados, estava tudo perdido, como da vez passada, e ainda seria pior.
Em conseguir o dinheiro, em procurar as coisas, em consertá-las e fazê-las aviar, passei grandes trabalhos e alguns bem a sós. A minha companheira fazia o que podia, mas podia bem pouco e tão pouco que era quase nada, a não ser o fazer-se tudo em seu nome e com seu favor. Todo o mais trabalho era meu e de tantas maneiras, que agora me espanto como o pude aguentar. Algumas vezes, aflita, dizia: “Senhor meu, como mandais coisas que parecem impossíveis? Embora fora mulher, se tivesse liberdade!... Mas atada por tantos lados, sem dinheiro nem ter donde vir, nem para o Breve, nem para nada, que posso eu fazer, Senhor?”.
Uma vez, estando numa necessidade, sem mesmo saber que fazer de mim nem com que pagar aos oficiais, apareceu-me S. José, meu verdadeiro pai e senhor, e deu-me a entender que os ajustasse, pois não me faltaria, e assim o fiz sem ter um real e o Senhor me proveu de tudo, por modos que espantavam os que o souberam.
Fazia-se-me a casa muito pequena, e era-o tanto, que não parecia levar caminho de ir a ser mosteiro. Queria, pois, comprar outra, a qual estava junto dela, também muito pequena, para fazer a igreja. Mas nem tinha com quê, nem havia modo de se poder comprar, nem sabia que fazer. Acabando um dia de comungar, disse-me o Senhor: já te disse que entres como puderes. E a modo de exclamação, acrescentou: Oh! cobiça do género humano, que até terra pensas que te há-de faltar! Quantas vezes dormi Eu ao relento por não ter onde me recolher!
Eu fiquei muito espantada e vi que o Senhor tinha razão. Vou à casita, tracei-a e achei-a embora bem pequeno, um mosteiro perfeito. Não curei de comprar mais espaço, senão procurei que nela se dispusesse tudo de maneira que se pudesse viver; tudo tosco e sem arte, tão semente para que não fosse nocivo à saúde, e assim se há-de fazer sempre.»
(Vida 33, 11-12)

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Narração da fundação do Carmelo de São José de Ávila (I)

«Tendo eu um dia comungado, Sua Majestade mandou-me instantemente que o procurasse realizar com todas as minhas forças, fazendo-me grandes promessas de que o mosteiro não se deixaria de fazer, e nele se serviria muito a Deus, e que lhe pusesse o nome de S. José: ele nos guardaria a uma das portas e Nossa Senhora à outra e Cristo andaria connosco. Que esta casa seria uma estrela que irradiaria de si grande resplendor e, embora as Religiões estivessem relaxadas, não pensasse eu que Ele era pouco servido nelas. Que seria do mundo se não fossem os religiosos? Que dissesse ao meu confessor que Ele me pedia isto e a ele lhe rogava não fosse contra, nem mo estorvasse.»
(Vida 32,11)

domingo, 19 de agosto de 2012

Mensagem do Prior Geral Frei Saverio Canistrá, por ocasião dos 450 anos da fundação da reforma teresiana


Comemoramos este ano um aniversário particularmente significativo: 24 de Agosto marcará 450 anos desde a fundação do Carmelo de São José de Ávila e, portanto, o início da reforma de Teresa. Também o Santo Padre quis expressar a sua alegria e a de toda a Igreja por causa de tal celebração, pelo que no dia da Festa de Nossa Senhora do Carmo, tornou pública uma mensagem rica de doutrina e espiritualidade teresiana.
 Ao pensar que a nossa família religiosa celebra 450 anos, o primeiro sentimento que preenche os nossos corações é o de gratidão ao Senhor pela fidelidade do seu amor, juntamente com louvor pelas grandes coisas que ele tem feito em nós. Certamente Teresa deu a Jesus, mas Jesus deu-se muito mais a Teresa, e se continua a dar a toda a família. Devemos exortamos para não nos esquecer-mos ("Lembre-te, Israel!") quantas graças nos deu de facto por nos ter chamando a fazer parte desta história e considerar-nos capazes de a testemunhar no presente e fazê-la crescer no futuro, de forma incessante – como Teresa nos ensinou – sem nunca considerar concluído. Nenhum de nós estaria aqui a assumir esta responsabilidade sem a graça do dom de Deus, sem a manifestação do seu amor misericordioso e de sua livre e gratuita iniciativa.
 Outra área de reflexão que devemos considerar é o mais recente capítulo da nossa história. A nossa Ordem celebrou em 1962 o quarto centenário da sua fundação. Nesse ano iniciava-se o Concílio Vaticano II, que iria marcar, de muitas maneiras, o início de uma nova era na história da Igreja. Os 50 anos que passaram desde então são uma etapa do nosso caminho, susceptível de análise histórica e de discernimento espiritual. Mudamos muito ao longo destes anos, mas ainda continua a vibrar em nós a mesma vocação e paixão de sermos filhos e filhas de Teresa de Jesus. Nós todos sabemos que nem todas as mudanças têm expressado a criatividade de carisma, tal como nem a vontade de conservação tem sido uma manifestação de lealdade genuína. Mas acima de tudo, descobrimos que esta realidade complexa e por vezes contraditória, está hoje cheia de caras novas, as novas gerações nascidas em todo o mundo nos últimos cinquenta anos, com diferentes sensibilidades e experiências. Na nossa realidade, estas novas gerações querem expressar quem são e o que têm, fragilidade e força, riqueza e pobreza, intuições e obscuridades, entusiasmo da juventude e a sabedoria da velhice.
 Teresa tinha 47 anos quando o sino do Carmelo de São José repicou pela primeira vez. Tinham passado mais de dois terços de sua existência! Com idade considerada avançada – naquela época muito mais do que na nossa –, ela iniciou uma aventura completamente nova, cheia de riscos e incógnitas. Sabemos que duas forças a ajudaram a superar qualquer resistência humana: A força da experiência de Deus e a força da paixão pela Igreja e um mundo em choque histórico. Estas são, ainda hoje, as forças que nos podem encorajar e ajudar a reemprender o caminho, ou melhor, a abrir uma rota através de uma paisagem que, às vezes, aparece como um deserto vazio e sem trilhos, no qual nos sentimos perdidos, e outras vezes, como uma floresta impenetrável em que é impossível encontrar um caminho que nos faça avançar.
 Na sua aventura, Teresa não contou nem com amigos poderosos nem com grandes recursos económicos. A sua condição de mulher foi causa de inúmeras dificuldades e limitações. Houve momentos em que o projecto da nova fundação deve ter parecido simplesmente impossível, razão por que se queixou ao Senhor, pedindo-lhe coisas impossíveis (cf. Vida 33, 11). A história da primeira fundação é um emaranhado de fadigas, dúvidas, perseguições e obstáculos de todos os tipos, mas, ao mesmo tempo, de consolações, encontros providenciais, ajudas inesperadas, especialmente de certezas interiores continuamente reavivadas. Assim, a sua história tornou-se uma história de salvação, cujo memória deve ser lembrada de geração em geração, para continuar a extrair dela força e inspiração. Ao destinatário do Livro da Vida, o Pe. Garcia de Toledo, deu liberdade para o destruir, excepto a história da primeira fundação:
 «Assim, eu peço a Vossa senhoria pelo amor de Deus, que se lhe parecer excessivo o que aqui escrevo, no que diz respeito a este mosteiro, vossa mercê o guarde, e morta eu, o dê às irmãs que aqui estiverem para as incentivar muito a servir a Deus, para que não caia o que começou, mas siga sempre em frente, ao verem o quanto ajudou Sua Majestade a consegui-lo através de coisa tão baixa e ruim, como eu.» (Vida 36, ​​29).
 É neste espírito que, também nós, depois de 450 anos, voltámos aquela experiência fundante, em que nascemos. Se o Senhor empenhou tanto de si para que aquela obra se cumprisse, continuará a fazer de modo a que não se estrague mas, pelo contrário, sempre progrida. Teresa estava muito interessada em salientar que tudo o que fora feito não dependera dela, mulher imperfeita e pobre. Mas que Deus apenas se serviu dela como de um instrumento. Teresa não usa aqui de falsa humildade; como sempre, ela diz "coisas muito verdadeiras" (Vida de 40, 3), e di-las-á de uma maneira especial acerca de um acontecimento tão importante como a reforma do Carmelo. Isso é obra do Senhor, em cujo serviço ela se colocou, não sem dúvidas, medos e resistências. Mas, enfim, a Sua graça foi mais forte. Esta obra amada por Deus, esta preciosa jóia com que quis adornar Teresa, e nela toda a Igreja (refiro-me à famosa visão narrada no Livro da Vida 33, 14) foi colocada nas nossas mãos: O que faremos com ela? Qual será a nossa resposta ao convite a que nos chama a Santa Madre desde as suas páginas autobiográficas? Tantas vezes falamos hoje sobre a crise na Vida Religiosa e das suas dificuldades, especialmente no Ocidente, devido à falta de vocações e ao envelhecimento das comunidades, mas ainda mais para uma perda geral de motivação e uma crise de identidade. Eu não quero minimizar estes problemas que experimentamos diariamente, especialmente aqueles que são chamados ao serviço da autoridade. Sem dúvida, a crise que estamos a atravessar é histórica e não se poderá sair dela sem novas percepções e mudanças profundas. A questão que eu acho essencial é: de onde podem vir as novas intuições? Onde vamos buscar a força que exigem estes novos tempos? Tenho-me apercebido, que neste período de crise económica está a ter muito eco um pensamento que Albert Einstein escreveu durante a Grande Crise de 1929. Aparece citado em inúmeras páginas da web e blogs, e até a encontrei numa carta que me escreveu uma irmã. Dizia Einstein, em 1935: «A crise é a maior bênção para as pessoas e as nações, porque a crise traz progressos. A criatividade nasce da angústia, como o dia nasce da noite escura. É na crise onde há a descoberta, invenção, e as grandes estratégias. Quem supera a crise, supera-se a si mesmo sem ter sido vencido. Quem atribuiu à crise os seus fracassos e dificuldades, trai o seu próprio talento e dá mais valor aos problemas do que as soluções. A verdadeira crise é a crise da incompetência. O inconveniente das pessoas e das nações é a preguiça na busca de soluções e saídas. Sem crise não há desafios, sem desafios a vida é uma rotina, uma lenta agonia. Sem crise não há mérito. Está na crise o que de melhor emerge de cada um, porque sem crise todos os ventos são apenas brisas leves. Falar de crise significa incrementá-la e calar na crise é exaltar o conformismo. Em vez disso, trabalhemos duramente. Acabemos com a única crise perigosa, que é a tragédia de não se estar disposto a lutar para a superar.»
 Estas são, sem dúvida, palavras de encorajamento e de esperança, que nos convidam a nos levantarmos de novo e darmos o melhor de nós mesmos, sem nos deixarmos vencer pelo medo e pelo desânimo. É possível que para a economia e a política estas palavras acertem no branco e indiquem as formas adequadas para superar a crise. Apesar disso, eu não acho que se possa dizer o mesmo sobre a crise da Vida Religiosa e da vida espiritual. Apoiar-se nos recursos da vontade e da inteligência do ser humano é justo; convidar a desenvolver projectos eficazes e a desenvolver uma criatividade que nos torne capazes de enfrentar os desafios do presente, faz sentido e é certamente razoável. Contudo devemos ser conscientes que não são os nossos projectos que nos salvarão. Precisamos beber de uma fonte de água viva que brota de veias mais profundas onde homem nada faz, mas que se deixa fazer, onde não escolhe, mas aceita ser escolhido, onde não experimenta a sua sabedoria e a sua força, mas experimenta a sua fraqueza e a sua debilidade. O caminho de saída não se encontra voltando a trás, à situação precedente ou de projectando-se para a frente, mas aprofundando a crise presente, descendo às suas raízes, a essa profundidade, onde as coisas se veem de um modo diferente, onde a inquietação e o medo se acalmam e a oração do pobre começa a subir mais pura, mais humilde e mais verdadeira. Desde a crise podemos retomar o caminho.
Este caminho que Teresa seguiu até ao último dia da sua vida, o caminho do mistério pascal, só se pode iniciar quando já se experimentou que os outros caminhos são becos sem saída ou trilhos que se perdem no nada. É um caminho que tem como cajado a oração e o alforje o perder-se a si mesmo e por isso se parece ao caminho dos discípulos de Jesus, chamados a deixar tudo e seguir Aquele em que eles tudo acreditavam e esperavam. Um caminho no qual –como escreveu o Bem-aventurado Newman no seu magnífico poema "A coluna de nuvem" – não é para ver à distância, mas apenas um vislumbre do pequeno passo a que somos chamados a dar a cada dia.
 Talvez seja isto o pouco que em nos é possível que Teresa escolheu cumprir no momento em que tomou consciência da gravidade da situação em que a Igreja e o mundo se encontravam, e da missão que o Senhor lhe estava a confiar. Sei que pode parecer pouco, mas é precisamente do pouco e do pequeno, para não dizer, do nada, donde Deus tudo criou. E disto tudo temos a obrigação de ser testemunhas com Teresa, tal como Teresa o tem sido desde aquele longínquo e ainda muito próximo 24 de Agosto de 1562.
Frei Saverio Cannistrà, Prep. Geral

Mensagem do Papa Bento XVI

Mensagem do Papa Bento XVI
por ocasião da Celebração do 450º Aniversário da Fundação do Carmelo de São José de Ávila pela Santa madre Teresa de Jesus


Ao venerado Irmão D. Jesús García Burillo
Bispo de Ávila

1. Resplendens stella. «Uma estrela de imenso esplendor» (Livro da Vida 32, 11). Com estas palavras, o Senhor animou Santa Teresa de Jesus a fundar em Ávila o mosteiro de São José, início da reforma do Carmelo da qual, no dia 24 do próximo mês de Agosto, serão celebrados os quatrocentos e cinquenta anos. Por ocasião desta feliz circunstância, quero unir-me à alegria da querida Diocese de Ávila, da Ordem dos Carmelitas Descalços, do Povo de Deus que peregrina na Espanha e de todos aqueles que, na Igreja universal, encontraram na espiritualidade teresiana uma luz segura para descobrir que por Cristo chega ao homem a verdadeira renovação da sua vida. Apaixonada pelo Senhor, esta mulher preclara desejava unicamente agradar-lhe em tudo. Com efeito, um santo não é aquele que realiza grandes proezas baseando-se na excelência das suas qualidades humanas, mas aquele que permite com humildade que Cristo penetre na sua alma, que aja através da sua pessoa, que Ele seja o verdadeiro protagonista de todas as suas obras e desejos, que inspire cada iniciativa e sustente cada silêncio.

2. Só quem leva uma intensa vida de oração pode deixar-se conduzir deste modo por Cristo. Ela consiste, segundo as palavras da Santa de Ávila, em «falar de amizade, permanecendo muitas vezes a sós com quem sabemos que nos ama» (Livro da Vida 8, 5). A reforma do Carmelo, cujo aniversário nos enche de júbilo interior, nasce da oração e tende para a oração. Ao promover um retorno radical à Regra primitiva, afastando-se da Regra mitigada, santa Teresa de Jesus queria propiciar uma forma de vida que favorecesse o encontro pessoal com o Senhor, para o qual é necessário «retirar-se em solidão, olhar para dentro de si e não se admirar com um hóspede tão bondoso» (Caminho de perfeição 28, 2). O mosteiro de São José nasce precisamente com a finalidade de que as suas filhas tenham as melhores condições para se encontrar com Deus e estabelecer uma relação profunda e íntima com Ele.

3. Santa Teresa propôs um novo estilo de ser carmelita, num mundo também novo. Aqueles eram «tempos árduos» (Livro da Vida 33, 5). E neles, segundo esta Mestra do espírito, «são necessários amigos fortes de Deus para sustentar os fracos» (Ibid., 15, 5). E insistia com eloquência: «O mundo está a arder; querem voltar a condenar Cristo, querem fazer desabar a Igreja. Não, minhas irmãs, não é hora de falar com Deus sobre assuntos de pouca importância» (Caminho de perfeição 1, 5). Não nos resulta familiar, na conjuntura em que vivemos, uma reflexão tão luminosa e interpeladora, proposta há mais de quatro séculos pela Santa mística?
O fim último da Reforma teresiana e da criação de novos mosteiros, no meio de um mundo com escassos valores espirituais, consistia em tutelar com a oração a obra apostólica; em propor um estilo de vida evangélica que fosse modelo para quantos procuravam um caminho de perfeição, a partir da convicção de que toda a autêntica reforma pessoal e eclesial passa pelo reproduzir cada vez melhor em nós mesmos a «forma» de Cristo (cf. Gl 4, 19). Não foi outro o compromisso da Santa, nem das suas filhas. E também não foi outro o compromisso dos seus filhos carmelitas, que visavam unicamente «ir mais além em todas as virtudes» (Livro da Vida 31, 18). Neste sentido, Teresa escreve: «Aprecia mais [nosso Senhor] uma alma que, através do nosso esforço e oração, lhe conquistássemos mediante a sua misericórdia, do que todos os serviços que lhe podemos prestar» (Livro das Fundações 1, 7). Diante do esquecimento de Deus, a Santa Doutora anima comunidades orantes, que salvaguardem com o seu fervor quantos proclamam em toda a parte o Nome de Cristo, que supliquem pelas necessidades da Igreja, que levem ao Coração do Salvador o clamor de todos os povos.

4. Também hoje, como no século XVI, e entre rápidas transformações, é preciso que a oração confiante seja a alma do apostolado, para que ressoe com clareza evidente e dinamismo pujante a mensagem redentora de Jesus Cristo. É urgente que a Palavra de vida vibre nas almas de forma harmoniosa, com notas sonoras e atraentes.
Nesta tarefa apaixonante, o exemplo de Teresa de Ávila constitui uma grande ajuda para nós. Podemos afirmar que, no seu tempo, a Santa evangelizou sem tibieza, com ardor jamais apagado, com métodos distantes da inércia e com expressões cheias de luz. Isto conserva todo seu vigor na encruzilhada actual, que sente a urgência de que os baptizados renovem o seu coração através da oração pessoal, centrada também, segundo o ditado da Mística de Ávila, na contemplação da Santíssima Humanidade de Cristo como único caminho para encontrar a glória de Deus (cf. Livro da Vida 22, 1; As Moradas 6, 7). Só assim poderão formar-se famílias autênticas, que descubram no Evangelho o fogo do seu lar; comunidades cristãs vivas e unidas, alicerçadas em Cristo como na sua pedra angular e que tenham sede de uma vida de generoso serviço fraterno. É também desejável que a oração incessante promova a prática prioritária da pastoral vocacional, salientando peculiarmente a beleza da vida consagrada, que é necessário acompanhar devidamente como tesouro que é da Igreja, como torrente de graças, tanto na sua dimensão activa como contemplativa.
A força de Cristo levará igualmente a redobrar as iniciativas para que o povo de Deus recupere o seu vigor da única forma possível: criando espaço dentro de nós para os sentimentos do Senhor Jesus (cf. Fl 2, 5), procurando em todas as circunstâncias uma vivência radical do seu Evangelho. E isto significa, antes de tudo, permitir que o Espírito Santo nos faça amigos do Mestre e nos configure com Ele. Significa também acolher em tudo os seus mandatos e adoptar em nós critérios tais como a humildade na conduta, a renúncia ao supérfluo, não ofender os outros nem comportar-se com simplicidade e mansidão de coração. Assim, quantos nos circundam sentirão a alegria que nasce da nossa adesão ao Senhor, e que nada antepomos ao seu amor, permanecendo sempre dispostos a explicar a razão da nossa esperança (cf. 1 Pd 3, 15) e vivendo, como Teresa de Jesus, em obediência filial à nossa Santa Mãe Igreja.

5. É a esta radicalidade e fidelidade que nos convida hoje esta filha tão ilustre da Diocese de Ávila. Acolhendo a sua bonita herança, nesta hora da história, o Papa exorta todos os membros desta Igreja particular, mas de maneira profunda os jovens, a levar a sério a comum vocação à santidade. Seguindo os passos de Teresa de Jesus, permiti-me dizer a quantos têm o futuro à sua frente: aspirai também vós a ser totalmente de Jesus, só de Jesus e sempre de Jesus. Não tenhais medo de o dizer a nosso Senhor, como ela fez: «Sou vossa, para Vós nasci; o que quereis fazer de mim?» (Poesia 2). E peço-lhe que saibais responder também aos seus chamamentos iluminados pela graça divina, com «firme determinação», para oferecer «o pouquinho» que houver em vós, convictos de que Deus nunca abandona quantos deixam tudo para a sua Glória (cf. Caminho de perfeição 21, 2; 1, 2).
6. Santa Teresa soube honrar com grande devoção a Virgem Santíssima, que ela invocava com o doce nome de Carmen. Sob o seu amparo materno coloco os afãs apostólicos da Igreja em Ávila a fim de que, rejuvenescida pelo Espírito Santo, encontre os caminhos oportunos para proclamar o Evangelho com entusiasmo e coragem. Maria, Estrela da Evangelização, e o seu casto esposo São José intercedam para que aquela «estrela» que o Senhor acendeu no universo, a Igreja, com a reforma teresiana continue a irradiar o grande brilho do amor e da verdade de Cristo a todos os homens. É com estes votos, Venerado Irmão no Episcopado, que lhe envio esta mensagem, a qual peço que faça conhecer à grei confiada aos seus cuidados pastorais, e de maneira muito especial às queridas Carmelitas Descalças do convento de São José, em Ávila, que perpetuam no tempo o espírito da sua Fundadora, e de cuja oração fervorosa pelo Sucessor de Pedro tenho grata confirmação. A elas, a Vossa Excelência e a todos os fiéis de Ávila, concedo com afecto a Bênção Apostólica, penhor de copiosos favores celestiais.

Vaticano, 16 de Julho de 2012.
BENEDICTUS PP. XVI

Vinte e cinco anos depois



O Sr. José Sousa de Calheiros, Ponte de Lima, teve treze filhos, quatro deles rapazes. Em diferentes etapas os rapazes - Jota, Xico, Joaquim e José - passaram pelo Seminário do Carmo. Se por cá não ficou nenhum, por lá ficaram raízes fundas e fortes. Raízes valentes.
Logo depois da saída do Seminário o Xico emigrou para o Brasil. Ano a ano volta à terra, onde, neste domingo, reuniu um grupo substancial de amigos familiares e ex-seminaristas. A Chama do Carmo esteve lá e pode abraçar a todos, incluindo o Xico que já não víamos há 25 anos. Estamos iguais mas mais velhos. A memória continua lá e as raízes também, e a gratidão «por termos saído homens do Seminário!»
Hoje em Ponte de Lima bebi um refresco de amizade, e recebi gratidão e reconhecimento ao Seminário Missionário Carmelitano de homens que, quando meninos, beberam a fé e os valores da fonte do Carmo.
O Xico prometeu pôr a boca no trombone e contar tudo quanto deve ao Seminário. E o que deve ao Seminário «é mesmo tudo». Mas depois ele conta.
Obrigado, Xico. Obrigado a todos.
Abraço para ti e para todos.

Vicente e Salvador

Quando chegam as Festas da Agonia o Vicente e o Salvador vêm com o pai Carlos Alberto visitar-nos. Foi o que fizeram este ano. Mais uma vez. São sempre bem-vindos. Também para a III Carmicoque onde ainda não puderam participar. Até ao primeiro sábado de Junho do ano que vem.

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Sábado em cheio

 
 
Isto são tempos de espera. No sábado foi assim. Poi preciso esperar para ingressar no Albergue de Peregrinos São João da Cruz dos Caminhos. Dum lado estiveram 40 jovens franceses, do outro 11 tugas e 2 italianos. Demorou, mas valeu a pena. Dizem eles.

terça-feira, 7 de agosto de 2012

Amêndoas de Jesus

«Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos,
e não tivesse amor,
seria como o metal que soa ou como o címbalo que retine.»
(1 Cor 13,1)

No dia 23 de Junho realizou-se mais um encontro de casais da nossa Comunidade do Carmo de Viana do Castelo, desta feita na Casa do Menino Jesus, em Deão, e com a participação dos nossos filhos.
O dia amanhecera solarengo, facto este que anunciava um dia que iria ser muito bem passado. Por volta das 10h o Grupo de Casais, que mais tarde haveria de se chamar «Casais Amendolagine de Jesus”, foi-se juntando no Convento do Carmo. Saímos então rumo a Deão. Chegados à Igreja Paroquial e, porque «Deus está ali onde se reza», em família iniciamos a oração da manhã, seguida de uma pequena caminhada, onde a boa disposição e o bom humor se fez sentir. Chegamos finalmente à Casa do Menino Jesus de onde iríamos passar o resto do dia, em convívio fraterno e reflexivo.
E quando as horas iam adiantadas e a fome já apertava, rapidamente colocámos as mesas e fizemos um almoço partilhado, onde os petiscos que cada família trouxe abundavam, aproveitando para dar graças ao Senhor pela oportunidade de estarmos juntos e podermos compartilhar da mesma mesa.
Para além dos momentos de confraternização, houve também espaço para a reflexão e para a Eucaristia.
Quanto à reflexão, esta teve dois momentos. No primeiro momento, refletiu-se em casal sobre a vida de um Santo da Ordem do Carmo, previamente atribuído pelo nosso orientador espiritual Frei João Costa. Analisamos assim, todo o seu percurso em busca da perfeição da vida cristã, as suas virtudes, bem como as características da sua personalidade. O segundo momento foi a partilha do que tinha sido abordado por cada casal. Paralelamente a isto, e desafiados pelo Frei João, discutimos também sobre o nome que haveríamos de dar ao nosso grupo. Inspirados por Jesus Cristo e pelo casal Amendolagine, Servos de Deus e membros da nossa Ordem Secular, cuja vida em matrimónio cristão foi santificada, escolhemos então o nome de Casais Amendolagine de Jesus.
E porque fazia calor, e os mais pequenotes desesperavam por uma ida à piscina, seguiram-se momentos de convívio e brincadeira.
Estava um lindíssimo final de tarde, a paisagem encheu-se de vida e de côr! Chegou o momento da Missa da Vigília de São João Batista. Escutámos então a Palavra do Senhor, aquela que faz sentido às nossas vidas, às nossas famílias, maravilhados pela sua capacidade de nos transformar e de nos dar a paz.
Eis-nos chegado ao fim daquele dia. Saí dali pensativa, mas satisfeita por ter tido a possibilidade do convívio, pela possibilidade de ter podido aprofundar o relacionamento com os outros casais, pela partilha de conhecimentos e perspectivas e acima de tudo pela criação de laços afectivos e espirituais fortes.
Para além de tudo mais, quero destacar a excelente capacidade de organização da Ana Caramez que tem sido incansável em todos os encontros e agradecer ao Frei João pela sua constante disponibilidade em nos acompanhar e em nos orientar nesta busca incessante da espiritualidade. Bem hajam a todos e que venham mais!
Ana Margarida, Carla e Hugo Rocha (apesar de ter sido só eu a escrever)