terça-feira, 21 de agosto de 2012

Narração da fundação do Carmelo de São José de Ávila (II)

«Tornou meu confessor a dar-me licença para eu me pôr a isso, tanto quanto pudesse. Eu bem via o trabalho em que me metia, por estar muito só e ter pouquíssimas possibilidades. Assentámos em que se tratasse de tudo com todo o segredo, e assim procurei que uma irmã minha que vivia fora daqui, comprasse e arranjasse a casa como se fosse para si, com dinheiros que o Senhor deu, por diversas vias, para a comprar. Seria longo contar como o Senhor foi provendo a tudo. Andava eu com grande cuidado de não fazer coisa alguma contra a obediência; mas bem sabia que, se o dissesse a meus prelados, estava tudo perdido, como da vez passada, e ainda seria pior.
Em conseguir o dinheiro, em procurar as coisas, em consertá-las e fazê-las aviar, passei grandes trabalhos e alguns bem a sós. A minha companheira fazia o que podia, mas podia bem pouco e tão pouco que era quase nada, a não ser o fazer-se tudo em seu nome e com seu favor. Todo o mais trabalho era meu e de tantas maneiras, que agora me espanto como o pude aguentar. Algumas vezes, aflita, dizia: “Senhor meu, como mandais coisas que parecem impossíveis? Embora fora mulher, se tivesse liberdade!... Mas atada por tantos lados, sem dinheiro nem ter donde vir, nem para o Breve, nem para nada, que posso eu fazer, Senhor?”.
Uma vez, estando numa necessidade, sem mesmo saber que fazer de mim nem com que pagar aos oficiais, apareceu-me S. José, meu verdadeiro pai e senhor, e deu-me a entender que os ajustasse, pois não me faltaria, e assim o fiz sem ter um real e o Senhor me proveu de tudo, por modos que espantavam os que o souberam.
Fazia-se-me a casa muito pequena, e era-o tanto, que não parecia levar caminho de ir a ser mosteiro. Queria, pois, comprar outra, a qual estava junto dela, também muito pequena, para fazer a igreja. Mas nem tinha com quê, nem havia modo de se poder comprar, nem sabia que fazer. Acabando um dia de comungar, disse-me o Senhor: já te disse que entres como puderes. E a modo de exclamação, acrescentou: Oh! cobiça do género humano, que até terra pensas que te há-de faltar! Quantas vezes dormi Eu ao relento por não ter onde me recolher!
Eu fiquei muito espantada e vi que o Senhor tinha razão. Vou à casita, tracei-a e achei-a embora bem pequeno, um mosteiro perfeito. Não curei de comprar mais espaço, senão procurei que nela se dispusesse tudo de maneira que se pudesse viver; tudo tosco e sem arte, tão semente para que não fosse nocivo à saúde, e assim se há-de fazer sempre.»
(Vida 33, 11-12)

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