sábado, 7 de junho de 2014

O perfume


Espírito Santo. A Igreja tem muita história: vinte séculos de história de mãos dadas com Deus pelos caminhos do mundo ao encontro de todos os povos e culturas. E dentro da história da Igreja para o mundo com Deus existem muitas estórias. Surpreende-me sempre a fanfarronice da Igreja que, como a Pedro, brota da crença obscura de que bastam as forças próprias da razão e dos músculos para levar a Salvação até aos confins da Terra. E não bastam. Sempre que a Igreja operou dentro deste registo jamais a barca abandonou a barra ou então não chegou a bom porto: quero dizer, nesse caso, a Igreja anunciou-se mais a si mesma e menos a Cristo.
Precisamos, por isso e sempre, que brote no nosso interior o Espírito renovador do Ressuscitado.
Era domingo. A mãe de António entrou esbaforida no quarto do filho e gritou:
– Vamos, vamos filho! Hoje é domingo e levantas-te mais cedo. Já está na hora de ir para a igreja!
Mas, Tone, o filho, mal dormido e de mau humor, respondeu:
– Não me apetece ir à missa! Hoje fico na cama até ao meio dia!
– Mas que ideia, filho!, respondeu a mãe. Vamos, depressa!, continuava ela a gritar.
– Não me apetece ir à missa! Hoje fico na cama até ao meio dia! Eles não gostam de mim.
– Deixa-te de disparates, rematou a mãe. Vou dar--te duas razões para ires à missa: primeira, já tens mais de quarenta anos! Segunda, tu é que és o pároco!
Não sei se a historieta é verdadeira, mas se não o fôr é bem esgalhada. E ao mesmo tempo faz--me lembrar os Apóstolos. Os primeiros. Então não é que no domingo passado receberam a ordem do Senhor: Ide e anunciai o Evangelho?
Sim, é verdade que receberam. Receberam uma ordem de envio, um mandato para rasgar horizontes. Porém, mal se vêm sós, logo depois da ascensão de Jesus, prontamente se escondem e se encurralam no Cenáculo. Enfim, são covardes!  São o que são e já não é de agora que o são. Havia, aliás, poucos dias, que fugindo e abandonando-O, deixaram morrer o Mestre e Amigo.
Após a Ressurreição eles, os Apóstolos, sabem a bom saber que a sua presença  testemunhal não é simpática para os demais judeus e sabem, é claro que sabem, que a notícia da Ressurreição não é fácil de aceitar e entender. Eles sabem que mal abram a boca vão ser apontados a dedo e, como não, até talvez amaldiçoados e escorraçados. E então calam--se. E anulam-se e trancam-se e acobardam-se. Eles sabem que falar do Crucificado é altamente perigoso, pois Ele fora recentemente sentenciado. Eles sabem que a religião é por vezes um potente sala dos espelhos que distorce a imagem mais pura; por isso, eles temem a incompreensão e a hostilidade.
Eles sabem e nós também. Nós também sabemos executar na perfeição a marcha à ré e o recuo atempado para a segurança das trincheiras do Cenáculo. E foi por isso que se deu o Pentecostes, a efusão do Espírito Santo: porque  os discípulos de Jesus temos medo!
Sim, porque existe medo existe Pentecostes! Sempre que existir medo existirá Pentecostes. Sempre que alguma vez algum discípulo de Jesus se sinta tolhido haverá Pentecostes!
O Pentecostes é o antídoto para o medo e para o sono, para a depressão e a preferência pelas portas fechadas!
Pentecostes é sempre! Porque sem a presença do Espírito Santo na sala do nosso coração nós continuaríamos sonolentos e depressivos, inactivos e inanes, medrosos e incapazes.
Pentecostes é a passagem das (falsas) seguranças do Cenáculo para os desafios dos múltiplos lugares, dos caminhos longos, das amplas planícies, dos rios caudalosos, das montanhas inexpugnáveis, das diferenças culturais. Pentecostes é abandonar o terreiro da Jerusalém local e fazermo-nos ao caminho até chegar a todas as línguas e culturas, a fim de proclamar-lhes o Evangelho da salvação com a força que o Espírito sopra em nós.
Por sinal, o Evangelho não é mensagem encriptada que só possa ser recebida por quem previamente possua o código; o Evangelho é palavra vivificante e universal dirigida ao arco-íris de todas as cores e raças.
O Espírito Santo é o substituto de Jesus. Na Sua ausência o Espírito maravilha os passos das nossas vidas e o caminhar das nossas comunidades. Ele derrama-se em nós com a suavidade de um perfume, cujas fragâncias inundam as divisões de uma casa.
O Espírito que animou Jesus é o mesmo que anima a nossa interioridade e nos encoraja, porque só a presença interior e o poder do Espírito Santo pode vivificar, dinamizar, libertar e divinizar a frieza e rudeza de todo o trabalho eclesial e humano. O Espírito Santo fala e (con)vive em segredo no nosso coração.
Busquemo-lo em segredo.

Chama do Carmo I NS 232 I Junho 8 2014

domingo, 1 de junho de 2014

Não há plano B!


Ascensão. Celebrar a Festa da Ascensão do Senhor Jesus ao céu é celebrar outra modulação da sua vitória. Que Jesus tenha ressuscitado, isto é, que o amor do Pai o tenha resgatado das garras da morte, isso é a sua vitória. Mas também faz parte da vitória de Jesus (E da nossa também, já agora) que tenha subido ao céu e se tenha sentado à direita do Pai, como vencedor.
Subir ao céu é, obviamente, uma maneira muito humana de se falar, enquanto que dizer ressurreição e ascensão é a maneira teológica de dizer a mesma glória.
Neste domingo celebramos Jesus glorioso e vitorioso na sua ascensão.
Durante quarenta dias vimos celebrando a Páscoa como um só dia. Parece um longo retiro em que a Igreja vai sendo preparada e convidada a desabrochar. Ao fim de quarenta dias (Na realidade, completaram-se na Quinta-feira passada) celebramos a sua subida ao céu. Durante este longo período o Senhor apareceu várias vezes a diversas pessoas, a quem se mostrou vivo e a quem foi catequizando. As aparições foram individuais e colectivas, e todas serviram para reforçar a Igreja na fé da ressurreição, prepará-la para a promessa da vinda do Espírito Santo, e para a tarefa de O testemunhar vivo, senhor e triunfante.
Ao longo dos dias pascais Jesus deixou-lhes (e deixou-nos, porque a tarefa se prolonga e deve ser permanentemente re-inventada por nós) uma tarefa em duas partes: 1) Encontrar-se com Ele, o Ressuscitado; 2) Testemunhá-lo pelo mundo fora.
Hoje, Domingo da Ascensão, celebramos a última de todas as aparições do Ressuscitado. Quase poderíamos dizer que o seu último acto histórico. A última aparição de Jesus é também aquela em que ele deixa de ser visto (Mas este visto tem de ser lido com muito cuidado, porque a ressurreição não foi o regresso ao estado corporal anterior à morte, nem à sua actividade anterior...) por que elevado ao céu. Por isso, a este Domingo chamavam os cristãos antigos o Domingo em que Jesus se sentou à direita do Pai.
Sentar-se à direita quer dizer ser pelo Pai honrado e glorificado; quer dizer, ser declarado Senhor de um ao outro e a todos os confins da Terra. Reconhecer Jesus como Senhor quer precisamente dizer que Ele é o modelo do servidor, e jamais imperador. É por essa razão que vendo-O pela última vez, elevando-se e afastando-se do nosso olhar e da nossa presença, para a direita do Pai, os discípulos não podemos restar parados olhando as nuvens.
Ficar olhando eternamente as nuvens, mesmo que seja em angelical louvor é a maior traição da Igreja a Jesus.  Nós não podemos ficar saciados de olhar olhar contemplativo posto no céu. Não, porque ainda existem tarefas por cumprir: é preciso levar a mensagem de Jesus até aos confins da Terra. E enquanto a mensagem não fôr conhecida por todos não podemos nós parar! Foi por isso que Jesus prometeu enviar a força do alto — o Espírito Santo: para que trabalhássemos pela causa do Evangelho até Ele voltar. A isso chama--se ser missionário. Missionário, sempre!
Conta-se que quando Jesus Ressuscitado chegou a sua casa, o céu, e se sentou à direita do Pai, todos os anjos se envolveram numa festa de arromba para lhe dar as boas vindas. Havia de tudo na festa: balões, foguetes, música, fitas e confetis e até um imenso cartaz que proclamava: «Bem-vindo a casa, Jesus! Missão cumprida!».
Então, um dos anjos entrevistou Jesus para um canal de TV; e logo lhe perguntou sobre os trinta e três anos que vivera entre os humanos. E rematou perguntando inesperadamente:
– Olá, Jesus! E agora que deixaste a Terra quem é que vai continuar a tua tarefa?
– Onze homens que me amam, foi a resposta.
– E se eles fracassarem?, insistiu o anjo. Qual será o
teu Plano B?
– Mas não,  não existe Plano B algum...

A ausência do Plano B é a Solenidade da Ascensão do Senhor. Celebramos hoje, obviamente, o regresso de Jesus a casa; mas, celebramos, sobretudo, a presença de Jesus no meio dos que O amam. Não foi Ele que disse «Eu estarei sempre convosco todos os dias até ao fim do tempo»? Sim, este é o nosso tempo. O tempo de em assembleia, em Igreja, e como discípulos, dizer-mos a Palavra mesma, dizermos todo o amor de Jesus pela humanidade! E sem que exista Plano B! Temos apenas a promessa de que o Espírito de Jesus sempre nos animará e nos acompanhará.
Jesus já cumpriu a sua missão, cabe-nos agora cumprir a nossa: ir, sair, anunciá-Lo. Este é o tempo do testemunho ardente, da missão incansável, de marcar o mundo com o selo da justiça e da verdade de Deus.
O latido do nosso coração só tem um timbre: amar com o mesmo amor de Jesus os que profeticamente Ele amou, porque a melhor mensagem da Ascensão de Jesus é esta: Ele foi para o céu mas ficou entre nós!

Chama do Carmo I NS 231 I Junho 01 2014