segunda-feira, 21 de abril de 2014

A Páscoa

Páscoa. Havia textos mais belos para falar da Páscoa. Sim, havia textos mais exaltantes do combate entre as trevas e a luz, da vitória da luz, da glória da ressurreição de Jesus.
Haver havia. Havia textos mais espirituais, mas neste Domingo de Páscoa preferimos escolher este que nos fala da (im)possibilidade de abarcar o mistério e de como ele está tingido de mercantilismo, da dificuldade em aderir à fé no Ressuscitado, da necessidade comum da experiência comunitária da fé e de a transmitir às gerações mais novas e mais influenciadas por outras tradições. Ora leia:


– Papai, o que é Páscoa?
– Ora, Páscoa é.... bem... é uma festa religiosa!
– Igual ao Natal?
– É parecido. Só que no Natal comemora-se o nascimento de Jesus, e na Páscoa, se não me engano, comemora-se a sua ressurreição.
– Ressurreição?
– É, ressurreição. Marta , vem cá!
– Sim?
– Explica pra esse garoto o que é ressurreição pra eu poder ler o meu jornal.
– Bom, meu filho, ressurreição é tornar a viver após ter morrido. Foi o que aconteceu com Jesus, três dias depois de ter sido crucificado. Ele ressuscitou e subiu aos céus. Entendeu ?
– Mais ou menos.... Mamãe, Jesus era um  coelho?
– O que é isso menino? Não me fale uma bobagem dessas! Coelho! Jesus Cristo é o Papai do Céu!
– Nem parece que esse menino foi batizado! Jorge, esse menino não pode crescer desse jeito, sem ir numa missa pelo menos aos
domingos. Até parece que não lhe demos uma educação cristã! Já pensou se ele solta uma besteira dessas na escola? Deus me perdoe! Amanhã mesmo vou matricular esse moleque no catecismo!
– Mamãe, mas o Papai do Céu não é Deus?
– É filho, Jesus e Deus são a mesma coisa. Você vai estudar isso no catecismo. É a Trindade.
– Deus é Pai, Filho e Espírito Santo.
– O Espírito Santo também é Deus?
– É sim.
– E Minas Gerais?
– Sacrilégio!!!
– É por isso que a Ilha de Trindade fica perto do Espírito Santo?
– Não é o Estado do Espírito Santo que
compõe a Trindade, meu filho, é o Espírito Santo de Deus. É um negócio meio complicado, nem a mamãe entende direito. Mas se você perguntar no catecismo a professora explica tudinho!
– Bom, se Jesus não é um coelho, quem é o coelho da Páscoa?
– Eu sei lá! É uma tradição. É igual a Papai Noel, só que ao invés de presente ele traz ovinhos.
– Coelho bota ovo?
– Chega! Deixa eu ir fazer o almoço que eu ganho mais!
– Papai, não era melhor que fosse galinha da Páscoa?
– Era... era melhor, sim... ou então urubu.
– Papai, Jesus nasceu no dia 25 de Dezembro, né? Que dia ele morreu?
– Isso eu sei: na Sexta-feira Santa.
– Que dia e que mês?
– (???) Sabe que eu nunca pensei nisso? Eu só aprendi que ele morreu na Sexta-feira Santa e ressuscitou três dias depois, no Sábado de Aleluia.
– Um dia depois!
– Não três dias depois.
– Então morreu na Quarta-feira.
– Não, morreu na Sexta-feira Santa... ou terá sido na Quarta-feira de Cinzas? Ah, garoto, vê se não me confunde! Morreu na Sexta mesmo e ressuscitou no Sábado, três dias depois!
– Como?
– Pergunte à sua professora de catecismo!
– Papai, porque amarraram um monte de bonecos de pano lá na rua?
– É que hoje é Sábado de Aleluia, e o pessoal vai fazer a malhação do Judas. Judas foi o apóstolo que traiu Jesus.
– O Judas traiu Jesus no Sábado?
– Claro que não! Se Jesus morreu na Sexta!!!
– Então por que eles não malham o Judas no dia certo?
– Ai...
– Papai, qual era o sobrenome de Jesus?
– Cristo. Jesus Cristo.
– Só?
– Que eu saiba sim, por quê?
– Não sei não, mas tenho um palpite de que o nome dele era Jesus Cristo Coelho. Só assim esse negócio de coelho da Páscoa faz sentido, não acha?
– Ai coitada!
– Coitada de quem?
– Da sua professora de catecismo!

Luiz Fernando Veríssimo

Chama do Carmo I NS 225 I Abril 20 2014

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