segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Os quatro e o passeio

Se se diz que a burro velho pouco verde, não se diz, como é óbvio, que não se lhe dê nenhum. Hoje foi, pois, o dia verde. De muito verde. Overdose de verde. E por que o verde se quer verde, nestas faldas de Outono quente, embriegamo-nos com todas as cambiantes do verde. As possíveis e as imaginárias. As que a natureza regaladamente nos deu e as muitas outras que os olhos, surpresos, inventaram julgando ver. Imaginar é outra forma de ver.
De tão emparedados que andámos, até parecia, que o deleite que unicamente nos estava reservado — e já não é pouco! — era o refrescar o olhar nas águas do Lima e regressar a casa sob o capacete das árvores do Jardim. Mas não. Mas sim. Foi por isso que saímos. Fomos em passeio comunitário, a outra sala de aulas onde se aprende a fraternidade. (Nem São João da Cruz faria melhor. Que me perdoe, se acaso…)
O Irmão Domingos está de férias, por isso fomos os restantes quatro. Ao volante o que melhor conhece as estradas de Portugal, antes do banho que levaram só possível graças ao progresso conseguido com os dinheiros da União. Ele conhece-as todas e não lhe escapa uma, deste que pelo meio não se intrometa algum inesperado Itinerário Principal.
Outro reconstruiu a história de caminhos passados e as afectividades que o ligavam a lugares por onde a antiga carreira o trazia ao Seminário. Hoje, os olhos habituados à letra de forma e às linhas muito direitas de teses muito escorreitas deliraram com as surpresas das curvas, com o inesperado da beleza verde.
Outro ainda levava mal sintonizado o GPS na cabeça. Sugeriu o Mosteiro de São Martinho de Tibães, e para lá fomos. Mas acabamos em Nossa Senhora da Abadia! Que não podia ser, que as curvas eram demais. Que sim. Que não. Mas o deslumbre é tal e a amenidade do lugar tão de origem que se sentiu tão tocado que acabou calado diante do rosto da Mãe.
O último descobriu como todos, cantou como todos, deliciou-se como todos. E deu-lhe o sono, que é outra maneira possível de digerir o verde. Acabou reconhecendo que quer queiramos quer não, já todos fazemos parte, desde há muito, daquela paisagem primeva donde os carvalhos seculares nos saúdaram afectuosamente.
Fomos de passeio comunitário; mas já devíamos ter ido há mais tempo.
Começámos por voar (ou pairar?) no cimo do monte de São Silvestre, em Cardielos.
Depois deu-se a avaria no GPS e acabámos na Senhora da Abadia. O lugar e a Senhora estão lá há pelo menos 13 séculos. Oxalá o lugar continue desconhecido, para que não se polua o mistério. (É um lugar tão assim, que se diria nunca se saber quando ali pode aparecer algum Robin dos Bosques, vindo da floresta!) Ainda assim o lugar, o céu, as águas e o santuário merecem bem uma visita e um hino em latim, cantado com o sentimento que só os corações consagrados sabem cantar à Senhora do Lugar.
Quem ali vai vem diferente.
São Martinho de Tibães é decepção. Nada do esperado acontece. É melhor regressar. Se merecer ficará noutra crónica, não nesta. Ainda passámos pelo eucalipto que, entretanto, tanto podaram que ele renunciou e secou. Já não caem ramos improdutivos para o caminho, mas agora, qual fantasma ameaçador, em busca da alma que lhe roubaram, ronda e ameaça, esquálido, quem por ali passa. Lúgrebe!
Fomos quatro irmãos de passeio. Lavámos a alma no verde. Foi uma liturgia diferente, verde. Muito comum. Simples. Esta comunhão não nos reconfortou menos que muitas outras. Por que não haveremos de repetir?
Ah! Se outros soubessem como é bom viver a fraternidade!

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