sábado, 18 de julho de 2009

Homilia do encerramento do Ano Pastoral do Carmo

«O amor de Deus nos impele»


Caríssimos irmãos e irmãs,

1. Se nesta tarde eu pudesse imprimir no vosso coração uma palavra, seria gratidão. Se eu pudesse ir carimbando coração a coração, marcaria essa palavra: gratidão. Convido-vos a fazer este exercício de eucaristia, isto é, de gratidão; a eucaristia antes de ser para aprender é para adorar o Senhor que está no meio de nós, que está connosco nesta barca que é esta Igreja do Carmo; e depois para agradecermos. Fazei um exercício de memória: ide ao baú do vosso coração e encontrareis lá muitas coisas para agradecer ao Senhor. Certamente Ele nos fez passar - talvez até sofrer - muitas maravilhas ao longo desta semana, recolhei-as, juntai-as, lembrai-vos delas, não tenhais medo de vos dispersardes, não vos preocupeis se não ouvirdes a homilia, ide à procura do que quiserdes agradecer ao Senhor, melhor, do que tiverdes que agradecer ao Senhor, pois eu gostaria muito que esta eucaristia fosse gratidão, agradecimento. Gratidão por aquilo que o Senhor concedeu a cada um de nós de forma privada, de forma que até nem sabemos agradecer, nem sabemos reconhecer; gratidão por aquilo que o Senhor concedeu à nossa comunidade, à nossa família. Agradeçamos ao Senhor com palavras simples, dizendo: Senhor, pelo Espírito Santo Tu me trouxeste tanta coisa, que eu nem sei agradecer. Aceita na pobreza das minhas palavras e do meu silêncio, aceita esta vontade de Te dar graças, por aquilo que do Pai me foi trazido por Ti a mim e à minha família do Carmo.

2. Quero, depois, alargar este agradecimento à Comunidade: estivemos reunidos esta tarde, desde as 16:00h até agora, em reunião de avaliação do nosso Ano Pastoral. Não éramos muitos – talvez 17 ou 18, não importa já o número. Fomos repassando o nosso Ano Pastoral, as nossas actividades, a nossa oração, o que fizemos bem, menos bem, o que foi bem conseguido e o que não foi tão bem conseguido. Estivemos a agradecer ao Senhor tantos e tantas que estiveram tanto tempo e tantos momentos, dando da sua vida, do seu tempo, do seu saber, ajudando à nossa oração…
Alguém nos dizia estes dias: Que belo é poder entrar nesta igreja e poder olhar o altar, ou o trono, ou a tribuna e ver flores! E alguém respondeu hoje: E como é duro estar lá quando os músculos apertam, como é duro estar lá a prepará-las! Quero sintetizar no trabalho das flores, que se aqui se encontram diante do nosso olhar, todo o trabalho que pusemos ao longo do ano preparando as nossas reuniões, a nossa oração, esta eucaristia e outras, as nossas reuniões de cultura, de formação que fomos tendo, que nos foram enriquecendo…
Quero agradecer ao Senhor, e peço ao Espírito Santo que esteja em mim e nas minhas palavras, para agradecer como convém a Deus o chamamento a que nos chamou, o carisma que nos concedeu para certo serviço, o convite a fazer algo no Carmo e que uns fizeram vindo para rezar e outros fizeram vindo antes para preparar…
Quero agradecer - E acabo por aqui, porque não me calo, teria muito que agradecer e ficaria todo o dia a agradecer tudo o que tantos fizeram por esta comunidade! -, por esta comunidade, por esta celebração, por toda a família carmelitana que vamos construindo.
Agradeço, muito sentidamente, tudo o que disseram esta tarde, tudo o que ajuda a construir a beleza de sermos corpo de Cristo, de sermos Igreja, na nau, no barco, enfrentando o mar e as tempestades…

3. Quero dizer-vos também esta palavra simples que estava na segunda leitura: «O amor de Deus nos impele»! Que frase bonita! Eu já a conhecia, mas hoje tropecei outra vez nela: o amor de Deus, irmãos caríssimos, irmãs caríssimas, nos impele! Impele é obriga, empurra, mas de forma mais doce, mais bela. Impelir, acho eu, é como aquelas velas preparadas nos mastros dos navios: vem o vento e empurra a vela que empurra o barco! É o amor de Deus que nos impele, que nos empurra. É assim que eu desejo - e quero agradecer ao Senhor -, a Sua presença amorosa, este Amor que vai impelindo as velas da vida de cada um de nós e da Comunidade, que vai soprando sobre cada um de nós, que vai soprando sobre todos nós, que não nos deixa caminhar sozinhos, que não nos deixa a remar sozinhos no meio do mar, que não nos deixa a puxar pelo barco sozinhos e sem orientação, que sabe aonde é que devemos ir.
É o amor de Deus que nos impele!
Meus irmãos, que nada mais nos obrigue, que nada mais nos ajude, que nada mais nos empurre senão o amor de Deus. Aquele amor que São Paulo contemplou na cruz do Senhor, o amor de Jesus crucificado e ressuscitado, o amor que é Jesus na Cruz. É o amor de Deus que nos impele, é o amor de Deus que atira com a nossa vida para a frente, atira cada um de nós, atira a vida das nossas famílias, e com certeza a vida das nossa Comunidade, não é o nosso amor, a nossa força, a nossa vontade, não é a nossa dor, não é a nossa filosofia, não é a nossa capacidade, não é a nossa vontade: é o amor de Deus, é Deus!
Tudo isto (força, inteligência, sabedoria, vontade) tem de ser posto ao serviço do Evangelho, ao serviço da Comunidade, mas só o amor de Deus impele a nossa barca!
Guardai também esta frase, pois é grande: É o amor de Deus que nos impele… e às vezes não damos mais porque somos preguiçosos, não queremos esticar a vela para que o Amor não enfune em nós…
O amor de Deus nos impele. Agradeço mais uma vez àqueles que deitaram mãos à barca, esticaram as velas para que o Amor de Deus enfunasse a vela, para que remássemos em frente. Virão vezes que será preciso mudá-la, que será preciso pôr mais vela, virão vezes em que será preciso pedir ao Senhor força, ânimo para continuar; concerteza que é preciso, mas chegaremos. Permaneçamos disponíveis para dispor e alargar as velas, porque o que o amor de Deus deseja é soprar sobre nós e empurrar-nos para a frente.

4. Depois, dizer-vos: Gosto tanto desta página do Evangelho! Porque é curioso: Jesus falou, e olhai que não falou só para aquele tempo; falou para este em que estamos, para o aqui e agora, falou para este que estamos a celebrar. Jesus falou aos do seu tempo, e falou para hoje, para mim e para ti, para nós. O que Jesus falou cumpriu-se, ainda que depois dormisse.
A narrativa de hoje segue-se a um dia de pregação. No fim disse aos discípulos: vamos para outro lugar, vamos para a outra margem, para o outro lado. E entraram na barca e começaram a remar, porque se é para ir para outro lado é preciso trabalhar. Veio então uma tempestade que quase afunda a barca, e Jesus a dormir. E a água a entrar e eles a remar e o vento a soprar e Jesus a dormir, e a agua a entrar e o vento a soprar e eles a tirar a água e Jesus a dormir, e barca a afundar e eles a remar e Jesus a dormir. E quase se afundou…
Acordaram Jesus e disseram-lhe: Desperta, Senhor, e salva-nos! Estamos a morrer! E Jesus falou ao mar e ao vento e tudo abrandou… e chegaram a outra margem.
Não é assim que nos sentimos muitas vezes? Não é assim que a Igreja navega no meio do mar? Não parece tantas vezes que o abismo parece que nos come? Não parece que nos afundamos? Não é assim que as nossas vidas navegam, parecendo que nos afundamos? Não parece que Deus não se preocupa de nós, que não pensa em nós, que vai a dormir? Então não é isso que dizemos muitas vezes a Deus: que a vida nos corre mal e que Ele não se importa de nós?
Sim, é. Mas não damos conta que Ele está? Ele está! Está no meio do barco, está no meio da tempestade, comprometido connosco! Ai se tivéssemos fé.
5. Gosto muito deste Evangelho porque é de hoje, para cada um de nós que possa estar sobressaltado a viver a sua fé! Confia, confiemos. Jesus está. Mesmo que a dormir, está. Está. E a tua fé se não é confiada em Jesus – ainda que a dormir – adormeceu, morreu. O Evangelho diz-nos: Confia! Confia, porque Ele está.
Eu sei no que estais a pensar: nas tempestades da vida e da fé! (Mas não vos tinha pedido no princípio para pensar em agradecer e no que tanto devemos agradecer?) Sim, calma. A vida às vezes corre-nos mal. Mas, calma. Jesus está. O Senhor vai connosco. O Senhor navega connosco. Homens de pouca fé! Ele está no meio de nós! Sim, Ele está na nossa barca. Está de coração aberto para nós: confia no Seu coração, que Ele está no meio de nós.
Disse o Senhor aos discípulos: Vamos para a outra margem. Aqui é que já é mais difícil, porque também isso é ordem de Jesus à Igreja, e ao Carmo hoje! Disse-nos Jesus nesta tarde, neste Evangelho que eu considero que é todo para os tempos de hoje; disse-nos não para nos assustar, nem para nos pôr à prova, disse-nos: vamos para a outra margem!
Caríssimos irmãos e irmãs, é difícil ir para a outra margem, isso é mais difícil. Eu sei de pessoas que não se atrevem a passar pontes, quanto mais meterem-se num barco, sair da margem confortável e do porto seguro, enfrentar correntes, ir para a outra margem! Mas, cuidado: olhai que é ordem do Senhor! Olhai que o Amor nos impele! Olhai que as ordens de Senhor, são obras do Senhor… são obras de Amor! Olhai que há uma margem onde nós não estamos, que não pisamos, onde nós não queremos entrar, onde nós temos que ir! Olhai que há uma margem com muitas tempestades pelo meio que parecem que nos estragam e nos comem! Olhai que nós temos obedecer ao Senhor!
6. Estás aqui para ouvir a voz do Senhor: mas não estejas consolado na tua margem! Não basta ficares onde estás! No outro lado é preciso que Jesus esteja: levai-O para lá! (E olhai que também aponto para mim, que tanto me custa ir para lá.)
Este Evangelho é para hoje. Ele diz-nos que estamos consolados na nossa margem, no nosso trabalho, na nossa vida, na nossa forma de ser, no nosso descanso e que estamos de tantos homens e mulheres afastados de Deus, longe de Cristo, morrendo, destruindo-se sem uma palavra do Evangelho. E nós não queremos ir para a outra margem…
Espero que isto não seja uma homilia amarga, porque é a verdade.

7. Caríssimos irmãos e irmãs: temos que escutar o Espírito, que hoje nos diz: vai sem medo, vai com confiança, vai com fé… mesmo que Jesus durma na tua vida. Desculpai, mas a missa é isto. Desculpai, mas é isto mesmo.
Terminamos o Ano Pastoral do Carmo. Vamos continuar por aqui, vamos rezar. Quando rezardes, e havemos de rezar muitas vezes juntos e outras vezes sozinhos, pedi isto ao Senhor: faz-nos, Senhor, faz-me chegar à outra margem, faz-me ser bom discípulo, porque ainda sou um discípulo medroso, como aqueles que iam no teu barco, faz-me chegar ao outro lado. Faz-te ir sem medo, dá-me a mão, dá-me confiança, dá-me coragem, vem comigo.
Sim, havemos de chegar lá porque Ele está connosco até ao fim dos tempos.
Que assim seja.

Frei João Costa
Igreja do Carmo de Viana do Castelo
20 de Junho de 2009

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