sábado, 30 de junho de 2012

Quem virá a ser este menino?


Além de Jesus, João Baptista é o único santo, com a Virgem Maria, de quem celebramos na Liturgia o nascimento para a terra. Isso deve-se à missão única, que, na História da Salvação, foi confiada a este homem, santificado, no seio de sua mãe, pela presença do Salvador, que mais tarde,
dele fez um belo elogio. Anel de ligação entre a Antiga e a Nova Aliança, João foi acima de tudo, o enviado de Deus, uma testemunha fiel da Luz, aquele que anunciou Cristo e o apresentou ao mundo. Profeta por excelência, a ponto de não ser senão uma «Voz» de Deus, ele é o Precursor imediato de Cristo: vai à Sua frente, apontando, com a sua palavra e com o exemplo da sua vida, as condições necessários para se conseguir a Salvação.

A vida de João Baptista foi extremamente enxuta e austera. Os textos litúrgicos da sua festa falam-nos de alegria e penitência como marcas da sua vida. E assim foi que a vida de um homem austero e de língua afiada e certeira produziu uma das nossas maiores festas populares, embora a maioria não saiba quem tenha sido o Santo!
João foi um profeta. Era pouco mais novo do que Jesus e coube-lhe apresentá-l’O a todos, e fê-lo com tal vigor como quem entrega na sua mão rude e forte o Sol divino.
O profeta áspero deixou marcas tão fortes nos seus discípulos, que eles se organizaram numa comunidade pujante e que até viria, porém, pela corrupção de alguns, a entrar em conflito com a comunidade de Jesus dos primeiros tempos, não aceitando que Jesus fosse considerado mais importante do que João!
Este apresentador de Jesus quis enviar-lhe dois dos seus discípulos com a pergunta: «És Tu o que está para vir, ou devemos esperar outro?». João aceitara plenamente a sua vocação, mas não lhe foi dado nenhum conhecimento superior, que também não foi dado por Jesus aos seus discípulos. O profeta verdadeiro apenas ouve e transmite, com humildade e coragem, a palavra de Deus.
Certa vez, Jesus referindo-se a João, perguntou à multidão que o cercava:
«Que fostes ver ao deserto? Uma cana agitada pelo vento? Que fostes ver, então? Um homem vestido com roupas finas? Os que usam trajes sumptuosos vivem regaladamente e estão nos palácios dos reis. Que fostes ver, então? Um profeta? Sim, Eu vo-lo digo, e mais do que um profeta. É aquele de quem está escrito: Vou mandar à tua frente o meu mensageiro, que preparará o caminho diante de ti».
João remata com chave de oiro o Antigo Testamento, e surge a novidade absolutamente extraordinária do tempo de Jesus. Novidade que João anunciou com a sua vida no deserto, a sós com Deus e sem a poluição ruidosa da ganância e do orgulho, e ao baptizar o próprio Jesus com o «baptismo de penitência».
Chega o Sol na sua força – temos que abandonar roupagens e atitudes inadequadas. É o que significa a palavra «penitência»: em hebraico é mudar de caminho, tornar atrás e, na esfera religiosa, voltar-se para Deus. Em termos gregos é mudar de vida, de atitude; “fazer penitência” não é um ritual de sofrimento ou autopunição, teoricamente discutível e de resultados duvidosos. É algo de muito mais difícil: reconhecer que não estamos a seguir o caminho da justiça e que não bastam boas intenções. No século III, Tertuliano chama à penitência um «baptismo trabalhoso». Trabalhamos para conquistar a alegria de Cristo, que acusava a hipocrisia da elite religiosa dos últimos tempos do Velho Testamento: quando orardes, quando derdes esmola, quando jejuardes... não o façais com ostentação para que os outros admirem a vossa “santidade”(!); fazei algo muito mais difícil: sede bons.
O menino da festa de hoje viria a ser o estafeta entre a velha e a nova Aliança. Quando passou o testemunho, deixou-se apagar como o sol que vai perdendo a sua importância, até que outro menino nasça no dia mais pequenino e cresça como um Sol sem ocaso, como se diz nas festas da Páscoa. Quem viria a ser o menino de 24 de Junho? Um exemplo insuperável do que é vocação: não se prendendo com nada que não fosse o espírito de Deus. Tornou-se um Homem autenticamente virgem: com a força de quem espera o momento certo para semear a nova terra, preparada já para produzir muito fruto. É o menino que nos avisa como a alegria, as nossas festas, os nossos amores, o amor... são para levar “a sério”, como frutos que alimentam a humanidade sem o veneno do artificialismo, da superficialidade e dos jogos de poder que fazem apodrecer o melhor fruto. Virá a ser o adulto que morreu por denunciar os desvios dos poderosos. Ele vem brincar connosco, porque a própria liturgia devia ser uma festa e porque brincar a sério é sabermos as razões por que vale a pena brincar.
A. Veiga

Chama do Carmo I NS 155 I Junho 23 2012

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