sábado, 8 de março de 2014

Enriquecei-nos, Senhor!

«Faz impressão ouvir o Apóstolo [Paulo] dizer que fomos libertados, não por meio da riqueza de Cristo, mas por meio da sua pobreza.

FRANCISCO
Mensagem para a Quaresma 2014
 
 
Há em mim, Senhor,
como que uma necessidade de fazer Quaresma.
Não só pelo tempo que rodou à volta de mim,
não só por ter engordado tanto assim:
preciso mesmo da Quaresma
como quem precisa do ar fresco da madrugada,
como quem à noitinha precisa de entrar
(se houver espaço) em casa.
 
Há em mim, Senhor,
uma precisão de espaço e de ausência,
de um oco fofo que aconchegue,
de um vazio para que entres e me preencha.

Há em mim, Senhor,
móveis a mais, quinquilharia de sobejo,
uma vontade de ferro que me ata ao erro
e também um desejo de libertação
de voar ao mais alto.
 
Há em mim, Senhor,
um império de não parar mesmo se cansar,
uma necessidade de abrir as mãos e doar,
uma ferida por suturar
por ainda não ter sido limpa com lágrimas.
 
Há em mim, Senhor,
uma precisão de ter as mãos vazias,
tão leves que as erga mais altas que o coração,
como asas sem cor e sem vizinhos,
leves da solidão do pôr do sol.
 
É Quaresma, Senhor.
Foi aqui que caí, mais uma vez caí,
outra vez precisarei de Ti para me levantar,
me erguer e encher minhas mãos
manchadas da ilusão de me bastar.

Vaza meu vazio e embriaga-me
porque sou como um crivo sem sementes,
desocupado, na eira:
enche-me, agita-me, joeira-me, alegra-me:
— oh dá-me sementes e dá-me pão
que parta e reparta ao irmão de cada hora do dia.
 
Cava meu bréu espesso e aquece-me
porque os caminhos me levam cansado,
escuro e desorientado:
preenche-me com a luz do teu olhar,
e afaga-me com teu rosto luminoso:
— oh dá-me o sossego do aconchego do perdão
que só teu olhar de vela me revela.
 
Purifica meu barro bruto, seco e duro
de meu tarro escuro,
e arranca-lhe o sujo e o sarro
que obscurece a suave limpidez da água fresca:
— oh dá-me o perfume das tuas mãos
que de barro ternamente me moldaram.
 
Anima o desmaio da chama da minha candeia
que semeia mais noite que luz,
que já não cintila nem tremeluz nem aviva
a torcida que já não comunica nem vida
nem seiva:
— oh dá-me a suave veludez do azeite
que cura, aquece, alumia e sacia.
 
Tu conheces-me, Senhor,
sabes quem sou e o número da minha camiseta,
sabes bem que gosto de hesitar, conter e pesar
se vale a pena perder para ganhar.
Esse vaso  ali em cima e sem flores sou eu!
— oh dá-me a sede da terra crestada e vazia
que se refresca e sacia com a graça da tua mão,
e não tenha eu medo da tua ternura
nem desconfie que alguma vez desistes de mim.
Amen.
 
Chama do Carmo I NS 219 I Março 9 2014

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