sábado, 28 de fevereiro de 2009

Filhos dum Deus esquecido (Valha-me Deus!)

Surpreendentemente — quem diria! —, somos filhos dum Deus esquecido. Não o sabendo, nós relacionamo-nos filialmente com um Deus Pai com problemas de memória. Valha-nos Deus!, é caso para dizer. Porém, a bem dizer, nós é que somos desmemoriados. Vamos falar de problemas de memória.
A primeira leitura deste Domingo (alguns versículos do capítulo 43 da profecia de Isaías) explicita de forma bem clara que a salvação é pura graça de Deus e não mérito humano. Os humanos — na leitura, Israel — esquecem-se com frequência de Deus e de invocar a sua força, logo estão falhos de méritos. Mas Deus, não. Por isso, Deus — que é um Deus de diálogo; poderá haver Deus fora do diálogo com o homem? — desafia-nos para um exercício de memória: quais são os nossos méritos? Se percorrermos o passado de Israel, por mais longínquo que ele seja, que bem fez ele? E nós? Aos olhos de Deus, nenhum. Há uma lista grande, sim. Mas de erros e de pecados. Por isso, a salvação que o profeta tão belamente anuncia como um renovo primaveril é algo que Israel não merece. É pura graça, é gratuidade. É novidade e surpresa! E portanto, muito para além do merecimento humano. O princípio da salvação e da renovação tem sempre a sua origem no perdão de Deus, e jamais nos méritos do povo, um povo esquecido das origens e das graças de Deus. Por essa razão, a salvação que o Profeta anuncia é uma salvação que Israel não merece! (Como haveria de merecê-la se tudo fez para esquecer Deus? Como poderia receber água da fonte se não sabia que havia fonte?) Essa salvação que o Profeta já antecipa é pura graça, novidade e surpresa que Israel não sabia esperar! (Aliás, como se há-de esperar uma coisa que não se sabe que existe?)
O princípio da libertação e da renovação encontra-se no perdão que Deus concede, e jamais na acumulação dos nossos méritos. (quem teria dinheiro para comprar a salvação?) Não foi esta a única vez que tal sucedeu na história de Israel. Mas assim é Deus, o nosso Deus; essa é a sua maneira de actuar. Ele apaga os nossos delitos e esquece os nossos pecados. Sim, Deus é muito esquecido. (Felismente!) Somos filhos dum Deus esquecido, com perda de memória, sempre pronto a começar de novo, sempre pronto a recomeçar a escrever numa folha completamente branca. Deus é Pai misericordioso e nunca um juiz ou fuinha rancoroso sempre pronto a registar as nossas faltas! E são tantas as nossas faltas, e são tantas as vezes em que nos sentimos mal. E logo Lhe pedimos perdão, e voltamos a pedir perdão, e continuamos a pedir perdão sem nos darmos conta que já nos perdoou a primeira vez e que continua a perdoar, e que se nos perdoou quem somos nós para não nos perdoarmos a nós mesmos? Quem somos nós... O bom Deus é esquecido. Porque não nos esquecemos nós do duro peso do remorso, para melhor nos lançarmos na aventura do seu amor? Tenha uma Quaresma renovadora e feliz.
Chama do Carmo I NS 19 I 22 Fevereiro de 2009

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