sexta-feira, 30 de abril de 2010

O escândalo do abuso dos clérigos

Revelações frescas a respeito do abuso sexual por parte de padres na Alemanha e na Itália provocaram uma onda de raiva e de desencanto. Eu recebi emailes de pessoas de toda a Europa perguntando como é que elas podem possivelmente permanecer dentro da Igreja. Até me chegaram a enviar uma espécie de formulário para apresentar a renúncia de pertença à Igreja. Por que permanecer?
Antes de tudo, porque abandonar? Algumas pessoas sentem que não podem mais permanecer associadas a uma instituição que é tão corrupta e perigosa para as crianças. O sofrimento de tantas crianças é na verdade horroroso. Elas devem constituir a nossa primeira preocupação. Nada do que eu vou escrever tem absolutamente a finalidade de desvalorizar a maldade do abuso sexual. Mas as estatísticas nos Estados Unidos, através da John Jay College of Criminal Justice in 2004 sugerem que o clero católico não comete mais ofensas do que o clero casado das outras Igrejas.
Algumas pesquisas até atribuem um nível de ofensas mais baixo para os padres católicos. Praticam menos ofensas do que os professores leigos nas escolas, e talvez à volta de metade relativamente comparados com a generalidade das pessoas. O celibato não empurra as pessoas para o abuso de crianças. É simplesmente falso imaginar que deixando a Igreja para aderir a outra denominação levará a uma maior segurança das crianças. Devemos enfrentar a terrível realidade que é o abuso de crianças espalhado em todas as áreas da sociedade. Fazer da Igreja o bode expiatório não será mais do que um encobrimento.
Mas o que dizer do encobrimento dentro da própria Igreja? Não terão sido os nossos bispos tremendamente irresponsáveis quando moviam os ofensores de um lado para o outro e não os denunciando à polícia e assim perpetuando o abuso? Sim, algumas vezes. Mas grande maioria destes casos reporta-se às décadas de 60 e 70, quando os bispos frequentemente olhavam para o abuso sexual como um pecado muito mais do que também uma situação patológica, e quando os homens da lei bem como os psicólogos muitas vezes lhes asseguravam que era mais seguro recolocá-los nas funções depois do tratamento. É injusto projectar retrospectivamente um conhecimento da natureza e a seriedade do abuso sexual que simplesmente não existiam na altura. Foi só com o crescer do feminismo nos fins de 70 que, projectando luz sobre a violência de alguns homens contra as mulheres, se entendeu o alerta para o terrível dano provocado nas vulneráveis crianças.
o que dizer do Vaticano? O Papa Bento assumiu uma linha bem determinada no lidar com este assunto como Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé (CDF) e ainda desde que se tornou Papa. Agora o dedo está apontado para ele. Parece que alguns casos reportados para a CDF sob a sua jurisdição não foram tratados por ele. Não estará a credibilidade do Papa minada ? Há manifestantes em frente da Basílica de S. Pedro exigindo a sua resignação. Eu estou moralmente certo de que ele não tem responsabilidade no caso.
Geralmente imagina-se que o Vaticano é uma ampla e eficiente organização. De facto é insignificante. A CDF somente emprega 45 pessoas, que têm de lidar com assuntos de doutrina e de disciplina relativamente a uma Igreja quer tem 1,3 biliões de membros, o que constitui 17% da população mundial, e cerca de 400.000 padres. Quando eu lidava com a CDF como Geral da Ordem Dominicana, era óbvio que eles estavam tentando lidar com a questão. Houve documentos que fugiam através da fendas. O Cardeal Joseph Ratzinger lamentava-se comigo dizendo que o pessoal era simplesmente insuficiente para a tarefa.
As pessoas ficam furiosas com o fracasso do Vaticano em abrir os seus arquivos e oferecer uma clara explicação do que aconteceu. Por que é tão sigiloso ? Católicos cheios de raiva e ofendidos sentem que têm o direito a uma governação transparente. Eu concordo. Mas nós devemos, em justiça, entender por que é que o Vaticano é tão auto-protector. Houve mais mártires no século XX do que em todos os séculos anteriores. Bispos e padres, religiosos e leigos foram assassinados na Europa Ocidental, nos territórios soviéticos, na África, na América Latina e na Ásia.
Muitos católicos ainda sofrem a prisão e a morte pela sua fé. Naturalmente que o Vaticano tem a tendência para acentuar a confidencialidade; isso tem sido necessário para proteger a Igreja das pessoas que a querem destruir. Por isso é compreensível que o Vaticano reaja aguerridamente às exigências de transparência e interprete legítimas exigências de abertura como uma forma de perseguição. E algumas pessoas, no campo dos media, desejam sem dúvida alguma prejudicar a credibilidade da Igreja.
Mas nós temos uma dívida de gratidão para com a imprensa pela sua insistência em que a Igreja encare as suas fraquezas. Se não tivessem sido os media então este vergonhoso abuso teria continuado escondido.
A confidencialidade acaba por ser uma consequência da insistência da Igreja no direito de cada pessoa acusada manter o seu bom nome até que tenha sido provada a sua culpa. Isto é muito difícil de entender por uma sociedade cujos media dão cabo da reputação de uma pessoa sem piscar um olho.
Por que abandonar? Se é para encontrar um porto mais seguro, uma Igreja menos corrupta, então eu penso que ficaria desapontado. Eu também aspiro por uma governação mais transparente, por um debate mais aberto, mas a atitude sigilosa da Igreja é compreensível e algumas vezes necessária. Compreender não significa aceitar, mas é necessário se na verdade queremos actuar de uma forma justa.
Por que permanecer? Eu devo colocar as cartas em cima da mesa; ainda que a Igreja fosse obviamente pior do que as outras Igrejas, eu mesmo assim não sairia. Eu não sou católico porque a nossa Igreja seja a melhor, ou ainda porque eu goste do catolicismo. Eu amo muito a minha Igreja, mas há aspectos nela que me desagradam. Eu não sou católico por causa de uma opção de consumidor por uma espécie de uma "Waitrose" (rede de distribuição) eclesiástica em vez de uma "Tesco" (outra rede concorrente), mas porque eu acredito que ela leva consigo algo que é essencial para o cristão poder testemunhar a Ressurreição,o que é a unidade visível.
Quando Jesus morreu a sua comunidade desertou. Ele foi traído, negado, e a maior parte dos discípulos fugiu. Foram principalmente as mulheres que O acompanharam até ao fim. No dia de Páscoa Ele apareceu aos discípulos. Isso foi mais do que a ressuscitação de um corpo morto.
Nele Deus triunfou sobre tudo aquilo que destrói a comunidade: o pecado, a cobardia, as mentiras, os mal-entendidos, o sofrimento e a morte. A Ressurreição tornou-se visível para o mundo através da visão maravilhosa de uma comunidade renascida. Estes cobardes e negadores foram reunidos de novo. Eles não eram um grupo respeitável, e envergonhados pelo que tinham feito, eram de novo um. A unidade da Igreja é um sinal de que todas as forças que dividem e separam são derrotadas em Cristo.
Todos os cristãos são um no Corpo de Cristo. Eu tenho um profundo respeito e afeição pelos cristãos de outras Igrejas que me ajudam a crescer e inspiram. Mas esta unidade em Cristo precisa de alguma configuração visível. O cristianismo não é uma espiritualidade vaga mas uma religião da incarnação, na qual as verdades mais profundas assumem a forma física e por vezes institucional. Historicamente esta unidade tem encontrado o seu foco em Pedro, a "Pedra" de Mateus, Marcos e Lucas, e no Pastor do rebanho no Evangelho de João.
Desde o começo e através da História Pedro tem sido uma rocha oscilante, uma fonte de escândalo, corrupta e, apesar disso tudo, a rocha - e os seus sucessores - cuja missão é manter-nos unidos de forma que possamos testemunhas a derrota infligida por Cristo no Dia de Páscoa ao poder fraccionante do pecado. Assim a Igreja está presa a mim aconteça o que acontecer. Nós podemos ficar perplexos em admitir que somos católicos, mas Jesus desde o começo que andou com más companhias.
Timothy Radcliffe

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