domingo, 27 de março de 2011

Quase intifada!

Sem água não vivemos. Sem pão também não.
Para caminhar nos basta um pedaço de pão e um gole de água. Depois chegam as outras necessidades.
O episódio da Samaritana é muito especial. Bem lido ele mostra-nos como a fé, a conversão e o amor se parecem a um corrente de água pura. Daquelas correntes que saltando de pedra em pedra chegam até à eternidade.
Uma mulher cansada de mal caminhar acabou aproximando-se de Jesus e aceitou que Jesus se aproximasse dela. E Ele prometeu-lhe vida e água, que não lhe faltaria nem uma nem outra.
A vida tem os seus mistérios. Tem imensos ventos, marés, trilhos para caminhar. E águas para beber; algumas de tanto bebermos pouco nos saciam. São águas que nos trazem açaimados a fontes que nos aumentam a sede e os calores.
E por mais que bebamos não nos saciamos.
O problema não é novidade, porque já é antigo. Já ao tempo de Moisés se reclamava pela água da liberdade sem se saber o que fosse a liberdade. No Egipto o povo tinha muita água, pepinos e melancias. Mas não era livre. E quando foi livre estava no deserto seco mas não tinha água, nem pepinos, nem melancias.
E berrou! E protestou!
Pobres de nós, prezamos a água à liberdade! Não importa o preço, queremos é água! E até aceitamos a perda da liberdade.
A alternativa, porém, é confiar.
No tempo de Jesus a sede ainda persistia apesar das muitas vezes que se saía à fonte. É isso que nos diz o excerto do Evangelho de hoje: Havia uma mulher afeiçoada ao caminho da fonte e ao peso do almude de água. Andava presa e não sabia, bebia e não se saciava.
Mas bastou-lhe um encontro com Jesus. Que Jesus faz-se encontrado pelos estiolados.

(Toca o telemóvel. Reconheço o número.)

«– Como estás?
– Estou bem. Muito bem. Mudei de vida, dei um salto, um rumo novo. Arrisquei e estou bem.
– (...) Olha lá, nem falamos dois minutos e já disseste 12 ‘Estou bem!’.
– Porque estou bem!, que queres? Tenho emprego quando tantos não o têm. Estou numa posição de liderança a nível ibérico. Há sempre ciúmes, mas estou bem. Mudei de carro, tenho agora um carrão. Sou nova e mando. Os miúdos da minha idade nem sequer estão todos a trabalhar. Vim do nada e olha onde estou: a comandar em Madrid! Comprei uma boa casa. Cheguei cedo aqui, mais cedo do que pensava. Que queres que diga...
– Só que...
– És tramado! Claro que estou bem. Não há muitos assim e tão cedo quanto eu! Sou uma mulher de sucesso! E isso dá muitas invejas. Mas com isso posso eu... Tenho das melhores férias, nem imaginas!
– hummm...
– Pois. Sinto-me vazia e seca. Como não vejo se posso subir mais, sinto-me velha aos 32! Não sei nada do futuro. Sinto-me presa do sucesso. Já não vou à Missa há muito tempo, pois estou sempre a trabalhar. Apetece-me ir a um retiro, mas não tenho tempo. Leio todas as tuas carminhadas e sinto inveja. Deus deve andar por aí, mas já nem O reconheço. Aprendi com os Carmelitas e S. Teresa de Jesus que rezar é um acto de amizade; mas eu devo ter deixado o Amigo à minha espera numa cadeira da esplanada durante tantos anos que já nem sei reconhecê-lO nem na esplanada nem na igreja...
– ...
– Olha, preciso de ir a Viana falar contigo a ver se isto muda, a ver se encontro o caminho.»

Moisés lidarava um povo com sede. Sede tem hoje o povo do Senhor. Hoje aqui; amanhã além. Ontem também. Não importa a hora, não importa o local: O povo tem sede. Alguns sabem dizê-lo, outros não. Alguns têm palavras, outros para dizê-la apenas pedras na mão.
E Jesus está à beira do poço. De cada poço cuja rota palminhamos todos os dias e donde todos os dias regressamos com o cântaro a moer-nos a cabeça e as espáduas.
Por onde passas e páras, pode muito bem nem ser numa igreja – o mais certo é que não seja mesmo uma igreja, mas uma dessas fontes que dão de beber sem matar a sede –, Jesus aguarda-te. Há-de falar, há-de falar-te a ti que tantas vezes ouves sem reparar. Não vai pregar moral, não vai debitar sermão, não te chamará à pedra nem à razão. Vai simplesmente dizer-te a sede que traz, uma sede verdadeira: sede de ti, da tua vida seca, dos teus sonhos vazios. Ele é discreto, não impõe a voz. Dirá o que sem saber esperas ouvir: A melhor água é Ele!
Oh! Felizes são os que dela bebem! Felizes são os que dão dela aos passantes.
O povo continua com sede. Conhece a fonte, mas tarda em ir lá. Talvez não saiba, mas para beber o mais certo é ter de fustigar a dureza do seu coração de pedra.
Sim, eu sei. Vou aceitar a promessa de pedrada como uma oração, ou um anseio que rebenta mudo como uma revolta por água viva!
Chama do Carmo I NS 103 I Março 25, 201

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