quarta-feira, 4 de março de 2009

«É agora o tempo favorável!»

Estivemos junto do Menino Jesus, em retiro espiritual. Foi na semana passada. A orientar o retiro esteve o Espírito Santo, como sempre. E o P. Armindo Vaz a dar-lhe voz. Publicamos uma das suas pequenas reflexões. Pequena? Confira se é mesmo pequena.

No ‘retiro’ ‘retirámo-nos’; mas não saímos fora da vida para nela abrir um parêntesis. Quisemos vivê-la mais intensamente. O ‘retiro’ é um tempo de abastecimento nos caminhos da vida. Caminhos pejados de agruras, como sempre desde que há humanos. Mas caminhos que hoje se percorrem a uma velocidade vertiginosa, em trabalhos, telefonemas, actividades diversas, reuniões... Os trabalhos do quotidiano precipitam-nos na voragem da pressa. Não nos falta o dinheiro. Falta-nos o tempo. Daí a necessidade de parar, para restauro das próprias forças e carregar baterias, qual viático para continuar a caminhar pelas vias do Senhor.
Esta paragem no tempo não foi tempo perdido. Foi tempo ganho ou recuperado: foi um investimento. Investimento seguro, se fizemos destes dias de retiro um tempo salvífico. Os gregos tinham duas palavras para dizer «tempo»: Kairós e Chrónos. Chrónos é o tempo do calendário, contado pelos astros. Segundo a mitologia grega, o deus Chrónos mutilou o pai e devorava os filhos apenas nascidos, para que estes não o destronassem… Com esta concepção mítica significava-se que o tempo cronológico nos devora; é o tempo do relógio que nos envelhece e nos mata. É o tempo indolor e incolor, um tempo atomizado, fragmentado, esboroado em múltiplos fragmentos que não se podem juntar. É o tempo vazio, que nada tem para dar a ninguém. É o tempo infecundo, um tempo para se gastar, como qualquer outra mercadoria à venda no supermercado, um tempo barato, para usar e deitar fora. Mas, porque o tempo cronológico nos quer destruir, suscita uma resposta recriadora, uma luta pela existência por parte dos humanos criados, para, de alguma forma, o vencermos. A forma primeira em que se apresenta a nossa luta pela vida é uma luta contra o tempo cronológico, uma luta contra-relógio, em que, fisicamente, somos vencidos.
Essa luta deveria tornar-nos conscientes do acesso possível a um tempo diferente do tempo cronológico, aquele que os gregos chamavam Kairós, um tempo salvífico, pelo qual podemos ser salvos, o tempo definido e determinado, o tempo marcante, o tempo da graça, que nos lança para o futuro pelos caminhos da verdade e da bondade, da rectidão, da lealdade e da felicidade. É o tempo da acção de Deus em favor do homem, por exemplo, o tempo do Advento e do Natal, o tempo Quaresma e da Páscoa, o tempo da receptividade, da festa e da história humana. É o tempo com sentido, que dá sentido à vida, vivida com consciência e com densidade. É o tempo em que nos situamos e nos empenhamos livremente na construção de um mundo sempre melhor. É o tempo de que fala S. Paulo: “Exortamo-vos a que não recebais em vão a graça de Deus; pois Ele diz: ‘no tempo favorável (kairõ dektõ) escutei-te, no dia da salvação ajudei-te’[Is 49,8]. É agora o tempo favorável (kairós euprósdektos); é agora o dia da salvação” (2Cor 6,1-2).
Habituados durante séculos a contrapor tempo e eternidade, precisamos de recuperar o valor do tempo em que construímos a nossa pequena e grande história de salvação. Desde que o Filho eterno de Deus se tornou temporal, nós, seus discípulos, não podemos desprezar o calendário como algo fútil. Para o sábio de Israel (Qohélet 3,1-8), “tudo tem o seu tempo”. Para o cristão, o tempo é tudo, porque ele é o arco de vida que nos é dado para podermos amar. Nele construímos a eternidade. Perder um minuto significa perder algo que tem a ver com a eternidade. O tempo é o único transporte que temos para chegar à eternidade: é o nosso avião, não a nossa mansão. O tempo é o lugar para a responsabilidade. Ciente dessa realidade inelutável, Paulo exorta-nos: “Olhai atentamente como viveis. Não sejais néscios, mas sábios, aproveitando o tempo (kairón) ao máximo, porque estes dias são maus” (Ef 5,16; Col 4,5).
Para cada um de nós, o tempo é o precioso dom que recebemos no dia da nossa concepção. É o breve instante em que nos transformamos naquilo que somos e seremos. Nada de dramatismo. Mas também nada de esbanjamento, porque «o tempo é breve». Sempre que tivermos oportunidade de amar, esse é o melhor tempo de cada dia. O melhor testemunho que se poderá dar de nós diante de Deus e dos homens é: “teve tempo para mim!” Foi quando identificámos o tempo com o amor.
Ora, estes dias de retiro, que dedicámos a pensar Deus de novo, foram para nós dias de salvação, um tempo kairós. Vivendo-os no sossego contemplativo, proclamámos que não nos queremos render ao Chrónos que nos vai engolindo e deteriorando, mas que aceitamos desafios sempre mais altos para continuar a responder com generosidade aos apelos e às carências dos nossos irmãos. Não queremos deixar-nos vencer pelo Chrónos. Queremos sonhar como se devêssemos viver para sempre; queremos viver hoje como se devêssemos morrer amanhã. Ámen.
P. Armindo dos Santos Vaz

1 comentário:

Marcelo Imenez disse...

Excelente ideia de tempo e historia humana(coletiva e individual) do contrário vida se dilui rapidamente em: canseira,sofrimento e a angustia, e nao faz sentido viver e sim morrer!!

att
Marcelo