domingo, 13 de maio de 2012

A beleza não é decorativa




Do Evangelho do domingo passado vem-nos uma obrigação: dar fruto!
Enfim, assim é: à vinha de Deus nós, a Igreja não basta que seja bela e apelativa para a vista, decorativa, bem posicionada na paisagem da sociedade. A Igreja não nasceu para ficar bem enquadrada na sociedade, mas para dar fruto! E nem sequer se justifica por si, os frutos não são para si. A Igreja existe porque o proprietário aguarda os seus frutos!
Por isso, a beleza da Igreja não é de todo decorativa!
Talvez o domingo de hoje nos ajude a perceber em que consiste o dar fruto. E a dá-lo, de facto.
Segundo parece não se trata apenas da prática das boas obras, mas de algo bem mais concreto: dar frutos de caridade. Assim sendo, a Igreja existe para que os demais tirem dela sabor e proveito.
Quem vive enxertado na videira que é Cristo, deve produzir os frutos de Cristo: amor, paz, bondade, justiça. Esses são os frutos, essa é a nossa tarefa principal enquanto cristãos.
Um cristão que não ame falha como cristão e falha como ser humano. E se a Igreja não se mostrar como testemunha da caridade é uma vinha estéril. E por conseguinte não é precisa e a sua beleza até ofende.
(Como não sei de números nem sou economista, não percebo nada da Troika, dos troikistas, dos mais que troikistas, nem mesmo como foi possível o mecanismo que a trouxe para dentro da nossa casa. Mas pergunto-me: bastará cumprir os mandamentos da Troika ou o estado social para cumprir o Evangelho? Bastará distribuir o bolo (ou migalhas!) do orçamento para cumprir o Evangelho? Se o estado recolhe e distribui os nossos impostos (o que já não é pouco) é isso bastante para o cumprir com radicalidade?
Ouvi por estes dias falar dum Banco do Tempo: você vai lá inscreve-se e depois é chamado para dar o seu tempo disponível; isto é, para acompanhar, ouvir, dar-se a alguém. E ouvi que uma família recolheu um jovem parente afastado para que consiga concluir o 12º ano: e vai consegui-lo! E ouvi que um jovem casal com dois filhos acolheu um terceiro, fruto duma relação precária!
Não nos sabe isto ao melhor sabor de Evangelho? Ainda nos ficam, porém, a faltar aqui outras muitas notícias, daquelas pequeninas notícias do quotidiano de bairro, que existem e que muito têm de fermentar e crescer sob pena de desaparecer o cimento miudinho da sociedade e não chegar a agregá--la devidamente, ou a não congregá-la nem aquecê-la, nem fecundá-la nem revitalizá-la.
Isto penso eu, que nada sei de Troika. Mas sei cada vez mais valorizar a troca de sorrisos, de afectos, de atenção e de excedentes que todos temos em casa e que se divididos e partilhados, poderiam remediar falhas de outros e reacender esperanças.
Seremos todos tão pobres que, ainda que com sacrifício, nada possamos dar: tempo, explicações académicas, boleia, tempo para ouvir, tempo para visitar doentes, recados, remédios?...)
Dar fruto é sinal do permanecer em Cristo. Dar frutos de amor e caridade, que a Igreja não tem outra tarefa. Sem estes frutos de atenção a quem dela precisa a vinha é estéril. Não se trata de inventar, mas de fazer o que fazia Jesus.
A presença em nós das palavras de Jesus só é presença verdadeira se traduzida em amor e em fraternidade. Este é o efeito da Sua palavra em nós: tal como a semente que morre e dá muito fruto, assim nós. Nós temos de dar fruto!
Frequentemente preferimos outras vertentes do Evangelho, outras palavras e ângulos do rosto de Jesus. Mas não podemos enganar-nos: não há como fugir ao cumprir dos mandamentos de Jesus tal como Ele cumpriu o que o Pai lhe mandou; e todos eles se reduzem a um: amar!
E é que Ele amou-nos em excesso, até ao extremo! Até à cruz!
Cruel verdade: eu estou disposto a dar. E o texto até começou bem: temos todos tanto para dar: tempo, explicações académicas, boleia, tempo para ouvir, tempo para visitar doentes, recados, remédios... Mas se cumprirmos estes frutos do amor, próprios de quem vive vinculado à videira, ficamos ainda muito longe da entrega de Jesus que deu frutos de vida ao entregar a sua vida! Ele que tudo era, tudo deu. Ele que vivia a imensa paz da Trindade veio fazer família com a humanidade: e despojou-se totalmente até tudo nos dar!
Que lição para mim tão tardo em me libertar do meu egoísmo, tão ponderado nos meus cálculos, tão higiénico diante do sofrimento dos outros. Mais um domingo que passa por nós. Uma vez mais a Palavra de Jesus desce à terra e nos toca. Poderei continuar de mãos vazias o caminho da fé, mas não poderei seguir sem dar frutos, agradáveis e saborosos, porque ao fruto não chega ser belo: tem de ser dado, para não ser inútil à boca.

Chama do Carmo I NS 149 I Maio 13 2012



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