quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Oração de fim de ano

No próximo ano vou aprender melhor os nomes das pessoas com quem me cruzo ou reúno; vou aprender melhor os gostos alheios. Vou sorrir mais e ouvir mais. Vou esquecer ofensas e aguentar mais os aborrecidos. Não esquecerei os aniversários. E ao corrigir fá-lo-ei como quem se queixa sem querer. Entrentanto, obrigado, Senhor, pelo ano que passou.
Mais um ano se encerra, Senhor. Um ano que passou tão rápido e não voltará atrás.
Foi uma odisseia. Era a crise, era a crise, e apesar da crise cresci na aprendizagem, vi a ciência aumentar os conhecimentos, viajei por outros períodos da história, cumprimentei alguns cientistas, atletas, santos, malabaristas na arte de viver. Desvendamos segredos, tornamo-nos mais sensíveis e chegamos vivos ao novo ano.
Obrigado, Senhor!
Houve quem partisse, e alguns chegaram à vida e à fé. Os jovens cresceram (tremeram também!), amadureceram e propõem-se romper horizontes distantes como se houvera ainda muito mar por descobrir. Também esperámos outros que hão--de vir, que chegarão carregados de sonhos, de fantasias, de expectativas.
Sim, um novo ano nos bate à porta. Chega-nos com trajes diferentes, sonhos diferentes, mas sempre com a mesma busca, a mesma ânsia de solenidade e de paz, de integração e de descoberta, de sementeira e de colheita.
O ano termina, Senhor, e o novo promete ser diferente sem muito de desigual a repetir-se.
Stop. Páro. Páro para reflectir, para rever, para balancear, para pensar. Há tanto para repensar!
Foi um ano rico, inesperado mas rico. Rico e cheio de ferimentos, de rotinas e acontecimentos renovadores.
Páro para pensar nas imobilidades que me vão tolhendo, na ferrugem se instalando, nas dores denunciando reduções na já pouca amplitude de movimentos.
Ah!, Senhor, tantas promessas incumpridas, tantos desejos frustrados, tantos projectos caducos, tanta graça desperdiçada em momentos desapercebidos.
O tempo é um frenesim que se esvai, um pégaso alado que vai e não volta. Os dias passaram como segundos e o urgente tragou o importante. Resta-nos aprender a semear as sementes da verde esperança e da paciência doirada.
Vivi sonhos comuns, alegrias comuns, vidas partilhadas, alegrias inesperadas. Que fecunda a graça da comunidade! Que grande graça a de juntos podermos ajuntar, a de perdoar quando nos inclinamos a dividir, a de nos abraçarmos à volta do altar, a de falar à mesa das reuniões, a de comer pão e couves à mesma mesa.
Senhor, que beleza tem o conjunto! Diverso, mas com um centro florido comum. Com caminhos diferentes, mas etapas corridas em equipa. Perspectivas novas, mas buscando olhar o mesmo horizonte. Confesso que existiram problemas, que mais que uma vez recomeçamos desentendidos. Confesso algumas quedas, alguns rasgões, alguma vontade de não ir a jogo. Confesso não sentir tudo ainda com a pureza de sermos um só coração e uma só alma. Confesso muito caminho imperfeito por fazer, muito peregrino sujo por acolher.
Porém, estar vivo é de uma beleza que até tremo!
Sabes, Senhor, resta-me uma virtude: ainda gosto de sonhar, de planear, de subir e ir ao encontro, de abandonar o particular e banhar-me no mar universal. Ainda gosto de renovação, da calma da espera, do tempo das promessas, da canseira das sementeiras. Sei que cada ano é como um baú que nos ofereces donde saem coisas novas e coisas velhas. Novas ainda que de sempre, sem repararmos; velhas e bem sabidas de nós, mas ainda algo incumpridas.
Não vou recomeçar sem sonho, sem ilusão, sem chama ou sem garra. Não creio nos que dizem que tudo será como sempre foi, porque jamais é assim que abro os meus braços para o baú do tesouro que nos trazes. Enfim, no jardim há já melros pretos e assustadiços e uma das árvores já começou a despontar. Surpreendem-me sempre as ameaças da esperança, as novidades dos renovos!
Neste ano gostei de tantas coisas! Do coração a vibrar pelos meninos a nascer! Dos pés a carminho, das mãos erguidas a rezar, das cabeças a pensar, dos sorrisos por ver os demais felizes, da generosidade quase sem nome porque imensa. Dos fortes que animam os fracos e de, juntos, termos chegado à meta, dos que descobriram coisas novas na música das tardes quentes, nas vigílias sob o olhar do luar, na missa no meio dum pinhal. Do vento livre na cara!Obrigado, Senhor, pelos desafios dos dias a começar. Obrigado por me chamares à tarefa da palavra. Obrigado pela superação dos problemas. Obrigado por este texto que acabo de escrever sobre o fecho de um ano e sobre a nesga da porta do já que se abre.
Chama do Carmo | NS91 | Janeiro 2, 2011

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