sábado, 26 de fevereiro de 2011

Trapézio sem rede!

Jesus continua na montanha a pregar o Sermão da Montanha.
Das suas palavras sai a Nova Lei que oferece à comunidade dos seus discípulos. Porque Jesus só dá e só diz o que vive. Entre as muitas coisas que lhes diz — e vale bem a pena lê-las e ouvi-las! — diz exactamente assim: «Não vos preocupeis quanto à vossa vida.»! Jesus é sempre surpreendente; e justifica-se convidando-nos para a simplicidade. «Olhai os passarinhos do céu», «olhai os lirios do campo»!Ah, se prestássemos mais atenção a Jesus!
A crise — lá vem a crise, novamente! — tem aqui a solução: Nem Salomão se vestiu com a leveza dos lírios selvagens, nem jamais os passarinhos armazenaram sementes; e nem um cai sem que Deus o permita!
Valha-me Deus! Como Jesus nos trabalha!

Como pode ser: então não ouvi já milhentas vezes: «Deus esqueceu-se de mim»? Que amargura leio eu nessas palavras! Como nessas alturas me cresce um novelo no estômago que não me deixa sair a voz, e quando sai é tão de falsete que nem a mim convence!
Contaram-me a história dum filósofo que renunciou a tudo. A tudo mesmo, menos a uma pequena malga que guardou para beber água do fontanário. Mas quando observou um cão bebendo sem malga até a sua deitou fora!
Como falar da confiança? Neste tempo de tantos apegos e de apoios impingidos como falar da confiança que Jesus nos propõe?
(Jamais esquecerei aquele meu jovem amigo que, desapoiado, me confiava não estar preparado para casar; e casou daí a seis meses!)
Como é díficil a arte do trapézio sem rede, e mais ainda nas coisas da fé! E mais ainda como Jesus, que não tinha biblioteca nem travesseiro!
Quando ouço «Até Deus me abandonou», lembro-me sempre do grito de Jesus na Cruz: «Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?». E não é que por vezes parece mesmo? Embora também leia nas Escrituras Sagradas que se uma mãe abandonar o filho — o que acontece, o que acontece... — «Eu, diz o Senhor, não te abandonarei!». Mas quando, meu Deus, quando confiarei num amor mais seguro que o duma mãe? Quando me sentirei como um pardal ou um lirio?
«Eu nunca te esquecerei», promete o Senhor; e agora, agora como é que eu, com responsabilidades e obrigações para com outros, me vou dispor a confiar caminhando num trapézio sem rede?
Algo tem de mudar. E o que tem de mudar é exactamente os apoios que julgamos que o são, e o mais certo é que o não sejam.
Que confiança extraordinária temos no dinheiro! (Eu sei, eu sei, que precisamos dele!) É tão poderoso que o levamos para todo o lado! (Até para a igreja, que no ofertório ainda não se aceitam cartões de crédito...) É tão poderoso que o levamos no bolso, mas quem anda no bolso do dinherio somos nós, que o deixamos apropriar-se do nosso coração.
Tomou conta da nossa vida, até para as rosas de mais um aniversário de casamento!
Sem ele já nada se faz, já não sabemos viver. Aparentemente tudo se vende e tudo se compra. Tudo tem um preço! E nem sempre justo, antes desmesuradamente cínico.
E não é que somos apenas um sopro, um soprozinho que dura setenta ou oitenta anos? E não é que nada podemos garantir, pelo menos ninguém se pode garantir mais um dia de vida!
Sim, dentro das possibilidades, temos de planear o futuro, de viver o presente lançando os alicerces do que há-de vir. E isso inclui ganhar dinheiro. Não podemos dar-nos à preguiça , a vegetar ou a sugar o suor dos outros. O mundo criado é para ser trabalhado com a força dos braços e da inteligência, porém de sorriso nos lábios e sem o sufoco que é fruto da angústia. Não se corra o risco de deixar que o dinheiro se assenhoreie do nosso coração e não deixe espaço para nos ocuparmos das pessoas, por só sabermos comerciá-las e comerciar as relações.
(Mas, poderá alguma vez ser tudo entregue confiadamente ao dinheiro? Você confiaria o seu bébé a um monte de moedas d’Euro?)
«Ou Deus ou o dinheiro», disse Jesus, que hoje nos ajuda a descobrir o cuidado amoroso de Deus por todas as criaturas: flores, passarinhos e seres humanos. Nós estamos nas mãos de Deus, e nas mãos de Deus é que estamos bem!
Entre nós e Deus há um trapézio sem rede, chama-se confiança. É nosso exercício cruzar o arame. Para o qual temos toda a vida. O truque para não cair no abismo é pensar mais nos outros que em nós, e acreditar que Ele tem umas mãos poderosas que depois do vale das trevas nos hão-de acariciar e secar as lágrimas, e uns braços fortes para, como uma mãe e um pai, nos aconchegar junto ao peito.
Hoje já andou de trapézio?

Chama do Carmo I NS 99 I Fevereiro 26, 2011

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