sábado, 12 de fevereiro de 2011

Uma vida, dois caminhos. Por que temos de escolher?

A crise não é de agora. Digo, a crise de valores, a verdadeira crise, que da outra pouco sei.
O povo de Israel, nosso irmão mais velho na fé, não se limitou a rezar e a ensinar-nos a rezar. É certo que é um povo orante, que como ninguém alçou as mãos ao céu e até lá ergueu louvores e salmos como nenhum outro.
Mas não sabe só de orações, sabe também de pensamento e teve os seus pensadores. Eram pensadores que rezavam e pensavam no contexto da fé e do Pacto que Deus aliançara com o Povo Eleito. Jesus Ben Sirá é um deles. Viveu uns duzentos anos antes de Jesus Cristo, ao tempo em que a cultura grega minava a cultura e a fé israelitas. Os jovens abandonavam a fé dos pais, seduzidos pelo brilho superior da sabedoria dos gregos.
É aqui que entra Ben-Sirá que ergue a sua voz para vincar os valores do Judaísmo, cultura e fé que nada devem a povo algum por mais evoluído que pareça. Sente algum paralelismo com os dias de hoje?
Com muita frequência a vida apresenta-se-nos como obrigação de escolha entre duas escolhas. Este tema tem raízes profundas no pensamento religioso de Israel sobre o sentido da vida, normalmente posicionado numa escolha entre a felicidade pela fidelidade à Aliança e a eleição da autosuficiência, à margem de Deus.
A primeira leitura deste domingo posiciona-nos nesta questão raramente pensada por nós: na vida podemos eleger um de dois caminhos, o da vida ou o da morte. O da vida, que é o de Deus; o da morte, que é o da ausência de Deus. Esse foi, podemos dizer, o resumo do percurso da história do povo de Israel, que umas vezes escolheu o caminho do bem e foi feliz, e outras vezes escolheu o da morte e deitou-se a perder. Quando Israel escolheu a opção Deus foi um povo solidário, fecundo, equilibrado, próspero. Quando escolheu a opção homem foi um povo egoista, dividido, vingativo, decrépito. A história de Israel foi lida a posteriori sob este foco e sob esta luz foi verificado que as tragédias nacionais de Israel coincidaram com a escolha do caminho do egoismo e das costas voltadas para Deus.
Faz, pois, muito sentido trazer para a assembleia cristã esta leitura do Livro de Ben Sirá, por necessidade de iluminar a nossa história pessoal e comunitária. Que devemos fazer perante as opções que a vida nos oferece? Será o ser humano um mero objecto nas mãos dum Deus mesquinho que o manipula a seu bel-prazer?
Jesus Ben Sirá reconhece o homem como um ser livre, jamais um instrumento abúlico nas mãos de Deus que o liga e desliga segundo as conveniências. Essa é a grandeza da humanidade: podemos escolher! Nós temos nas mãos o percurso do nosso destino, que é influenciado quer pela escolha do bem quer pela do mal. Deus surge na nossa vida não para impedir a liberdade de escolha, mas para oferecer a vida em abundância que se alcança pela escolha do caminho da felicidade.
Deus não obriga, apenas assinala. A eleição e a construção é nossa, é andamento nosso.
Os caminhos abrem-se aos nossos passos e decisões. Que fazer? Que escolher?
Verdadeiramente, creio, esse é o nosso drama. Gostamos de escolher, mas não gostamos das consequências da escolha. Gostamos de escolher e acertar, de escolher sem sofrer, de escolher e colher proveitos imediatos. Não é sempre assim. Por vezes, a escolha do caminho, mesmo quando é acertada, supõe a (possível) passagem por túneis escuros, desertos áridos e vales tenebrosos. As escolhas têm consequências a que não podemos escapar.
Somos obrigados a escolher o caminho de Deus? Não. Somos livres, Deus deixa-nos livres. Escolhemos a opção que queremos, porque Deus não se nos impõe, apenas se nos propõe. Se é certo que Deus não se impõe nem nos trata como matraquilhos, também é certo que frequentemente até aqueles que excluem ou negam a existência de Deus reclamam o preço a pagar por não ser Ele a decidir, ou decidir mal!
A vida tem dois caminhos, ou, se quisermos, frequentes e constantes opções de escolha. Por que temos de escolher? Porque somos livres e nada há que oblitere ou anule a nossa liberdade. Deus respeita maximamente a nossa escolha, mesmo quando é contra Ele, isto é, mesmo quando fere de morte os filhos mais pequeninos dos mais pequeninos do seu reino.
É difícil escolher. Por que não rezar quando temos de o fazer? Por que não incluir a comunidade no discernimento das nossas opções? É mais fácil fazer escolhas quando somos ajudados pela família e pela comunidade, quando não temos de lutar contra as conveniências e o politicamente correcto. É por isso que eu gosto da frase de São João da Cruz: «Vale mais ser fraco e estar carregado junto de quem é forte; do que considerar-se forte e estar aliviado junto dum fraco!»
Chama do Carmo I NS 97 I Fevereiro 13, 2011

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