domingo, 1 de dezembro de 2013

Parágrafo teresiano


Quis o Senhor que viesse então algumas vezes esta visão. Via um anjo ao pé de mim, para o lado esquerdo, em forma corporal, o que não costumo ver senão por milagre. Ainda que muitas vezes se me representam anjos, é sem os ver. Nesta visão quis o Senhor que o visse assim: não era grande, mas pequeno, formoso em extremo, o rosto tão incendido, que parecia dos anjos mais sublimes que parecem todos se abrasam. Devem ser os que se chamam Querubins, que os nomes não mos dizem, mas bem vejo que no Céu há tanta diferença duns anjos a outros e destes outros a outros, que não o saberia dizer. Via-lhe nas mãos um dardo de oiro comprido e, no fim da ponta de ferro, me parecia que tinha um pouco de fogo. Parecia-me meter-me este pelo coração algumas vezes e que me chegava às entranhas. Ao tirá-lo, dir-se-ia que as levava consigo, e me deixava toda abrasada em grande amor de Deus. Era tão intensa a dor, que me fazia dar aqueles queixumes e tão excessiva a suavidade que me causava esta grandíssima dor, que não se pode desejar que se tire, nem a alma se contenta com menos de que com Deus. Não é dor corporal, mas espiritual, embora o corpo não deixa de ter a sua parte, e até muita. É um requebro tão suave que têm entre si a alma e Deus, que suplico à Sua bondade o dê a gostar a quem pensar que minto.
Os dias que isto durava, andava como alheada; não queria ver nem falar, senão abraçar-me com a minha pena, que era para mim maior glória que quantas há em tudo o criado. Isto me acontecia algumas vezes, quando quis o Senhor que me viessem estes arroubamentos tão grandes que, até mesmo estando entre muitas pessoas, não lhes podia resistir, e assim, com muita pena minha, se começaram a divulgar.

SANTA TERESA DE JESUS (1515 - 1582)
LIVRO DA VIDA 29:13-14.

Sem comentários: