Nos treze curtos versículos do Evangelho do domingo passado, falava Jesus cinco vezes da sua Hora, e em três delas declara: «Chegou a Hora».
Chegou, pois a Hora de Jesus. Chegou o agora temporal onde se faz presente o hoje eterno de Deus. Chegaram os dias em que Deus «estabelecerá uma nova aliança com a casa de Judá».
Existe, portanto, a Hora de Jesus com cujo sangue se sela a Nova Aliança, e existe também a nossa hora, que, paradoxalmente, vive obnubilada pelo poder das trevas.
A hora do Cordeiro
Segundo São João, o Evangelista, Jesus entregou a sua vida na Cruz, realizando o seu sacrifício supremo na mesma hora em que os judeus imolavam o cordeiro pascal que seria comido na Ceia da Páscoa.
João organizou o seu Evangelho fazendo convergir tudo para a Hora, a Hora da glorificação de Jesus, que passa justamente pela porta estreita da sua tremenda Paixão.
Ao se aproximarem os dias da memória da Paixão de Jesus, pergunto-me: por onde andarão a nossa cabeça e o nosso coração, se não considerando que foi Ele homem de dores, que tremendamente sofreu o martírio mais injusto? Como poderemos viver todos os dias por igual — mais cinzentos, que azuis! —, sem assumir que Ele padeceu, recusando-se a viver impassível e estóico como um super-homem?
Sim. Jesus partilhou todos os nossos sentimentos de dor, medo, angústia, dúvida, lamentação e crise existencial. Em chegada a hora, até Jesus tremeu! E quem não tremeria?
O mediador solidário
E só pode surpreender-se que seja assim, quem ainda não percebeu que Jesus comungou profunda e solidariamente a nossa vida. Ele medeia e dá a vida como um Pontífice que bem conhece de experiência as nossas debilidades e temores. E é por isso que se recusa a pairar sobre a história, preferindo antes, ao ser chegada a sua Hora, oferecer o seu corpo ao impoder do terror.
Páscoa significa combate e vitória contra o mal e o pecado. É a hora da Cruz, porque não existe Páscoa sem Cruz. É a Hora de Jesus, a Hora terrível do julgamento e da expulsão do príncipe deste mundo, que está sentado num trono de arrogância, tem no coração uma pedra negra e dura, cinge-o uma coroa de corrupção e de assassínios e o seu ceptro férreo de injustiça e opressão dos humildes.
A hora do combate
A Hora é agora. E já soaram as trombetas convocando para o combate. A batalha
— à partida ganha, mas sem o sabermos —, tem lugar no corpo triturado de Jesus,
oferecido aos crentes como prova da Nova Aliança entre o Céu e a Terra.
Ele combate, Ele vence por nós. Mas a sua vitória é a sua derrota: é sua a morte às mãos do Inimigo. Porém, confiemos, Ele vence, porque não se ama a si mesmo e soube perder a vida em favor de muitos irmãos.
Se Jesus veio ao mundo que antes criou para, precisamente, nele suceder esta Hora, como, — perguntaremos nós —, como havemos de excluir-nos dela, deixando-O só no combate?
O momento de crise
A Hora é o momento da decisão, é o momento crítico do mundo que quer viver afoito e
despreocupado, de si mesmo para si mesmo. Fechado em bolha de mais vale assim que pior. Enclausurado, como se não existisse sentido se não em si. E é assim que do mundo vai ficando
excluída a ideia da salvação vinda de Jesus, tal como do coração de Jesus, gota a gota, se exauriu a vida. O sentido da vida vem de Jesus, que se deu ao combate por nós, para nos ganhar resgatando-nos ao Inimigo.
A vida cristã é união com Cristo. E se Ele não poupou a sua, também o discípulo não a
poupará nem esconjurará a sua hora, pois não está dispensado do sofrimento nem da decisão pessoal. Também temos a nossa hora!
Jesus não faltou à Hora. Não houve desacerto ou desencontro algum. A Hora da glorificação está próxima, e passa pela Cruz. Quantos discípulos não se espantam com o horror da Hora e fogem, desertando do caminho!
Sim a abençoada Hora chegou, já estamos a viver nela. Porquê fugir? Para onde fugir?
Chama do Carmo I NS 25 I 5 Abril 2009
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