E repentinamente a década chegou ao fim! A primeira do séc. XXI!
Íamos de carro — onde se passa grande parte da vida deste século — e chocámos com a constatação: encerra o ano, encerra também a década! Que rápido! E como a viagem dava para distender a conversa lá fomos organizando ideias. Saltou a terreiro, entretanto, uma pergunta: E como está a Igreja?, que mudou nela nos últimos anos? Assim de repente, só com o recurso à memória, sem nos podermos googlar, a resposta saiu frouxa: Mudámos de Papa, morreu a Irmã Lúcia, construiu-se a Igreja da Santíssima Trindade em Fátima, D. Manuel Clemente recebeu o Prémio Pessoa. Enquanto ouvia esparsamente as respostas ainda consegui lembrar-me de mais algumas ausências: Dom Hélder Câmara, Madre Teresa de Calcutá, Abbé Pierre, Irmão Roger, E. Schillebeeckx. Mas não é por aqui que quero ir.
É certo que na Igreja os balanços são difíceis de avaliar. Pode sempre recorrer-se a números estatísticos, porque somos uma organização. Mas fica sempre muito por dizer, pois somos também um edifício espiritual.
Ainda assim, eu, aprendiz mirolho de sociólogo, arrisco um exercício de balanço da primeira década do século XXI. Devo primeiro recordar que a meio da década o Episcopado português realizou a regular Visita ad limina, que inclui uma peregrinação aos túmulos dos Apóstolos Pedro e Paulo e um encontro como o Romano Pontífice, que sempre proporciona uma séria revisão da vida eclesial. A síntese da Visita, pela boca do Secretário da Conferência Episcopal, não poderia ser mais realista e pragmática: «Perante a leitura dos dados é fundamental arregaçar as mangas para formar cristãos». Estava dito.
Cabe ainda recordar o Papa João Paulo II, no seu documento chamado A Igreja na Europa: «Muitos europeus contemporâneos pensam que sabem o que é o cristianismo, mas realmente não o conhecem (…) A Europa exige evangelizadores credíveis, cuja vida, em sintonia com a cruz e a ressurreição de Cristo, irradie a beleza do Evangelho.»
Seguem três reflexões que algo têm de viés:
Primeira: A Europa mudou, Portugal mudou. E a Igreja algo mudou também. Desceu o número de nascimentos (pela primeira vez a população portuguesa está em crescimento natural negativo) e desceu o número de baptizados, de sacerdotes, de casamentos, e de seminaristas maiores.
Chegou — finalmente ? — o tempo dos leigos.
Muitos portugueses julgam conhecer o cristianismo, mas não conhecem. Julgam vivê-lo, mas não vivem. Arregaçar as mangas significa investir na formação laical que permitiria formar agentes de evangelização. Foi feito? Não. Mas já dizia o Secretário do Episcopado: «No ano 2010 ou 2011, quando se fizer outro censo, ficaremos preocupados. Até lá ficaremos descansados”. E eu sinto que estamos.
Segunda: atingiu-nos por fim o tsunami do anonimato e até da existência virtual. Tudo ou quase tudo promove o anonimato, o individualismo e não nega o apelo do virtual: a Internet, o consumo de televisão, de telemóvel e mp3, a desagregação familiar, a maximização da circulação da informação, a globalização e a individualização. Somos assim de todos os lugares e de lugar algum. Também por aqui as águas da Igreja andam inquinadas de individualismo e de desobriga. Porém, aqui e ali, re-emergem movimentos laicais, que parecem agora melhor chegar às bases, e se reconvertem em suporte de acção inter-pessoal, com apelos à relação, participação e vivência até mesmo fora dos territórios de origem. É certo que na Igreja portuguesa predomina ainda o rosto do clericalismo e da paroquialite. Mas também é certo que todos os anos crescem os gérmenes do voluntariado, aumentam os donativos para as causas humanitárias via Cáritas, e crescem o números de missionários leigos ad gentes que dão pelo menos seis meses da sua vida à promoção da dignidade humana e do anúncio de Jesus Cristo.
Terceira: Resistência à mudança. A prática dominical situa-se abaixo de um quinto da população, embora 70% se diga católico, e igual percentagem afirme praticar uma vez ao mês um acto da sua crença (não significa que seja cristã): ou seja, o ritmo é muito mais espaçado que antes, num adagio embaraçado, resistente à mudança de práticas e dos modos. Os números aproximam-se dos europeus, e aproximar-se-ão ainda mais. Paralelamente cresce o apelo a manifestar Jesus Cristo por formas menos testemunhais e pelas vias da comunhão e defesa da natureza; pela promoção de manifestações culturais que digam Cristo como fonte de vida, como verdade, bondade e beleza para o comum das pessoas, crentes ou não; pelo compromisso social e promoção da vida; pelo empenho em desvelar a beleza como lugar frágil da manifestação de Deus.
Segundo D. Manuel Clemente somos urbanos de semana, rurais de fim-de-semana e litorais de Verão. Significa-se assim a dificuldade em fazer um anúncio consistente do Evangelho e sustentar as bases do edifício eclesial . Mas quem disse que estava tudo feito na Igreja portuguesa, e que não tínhamos de arregaçar as mangas?
Chama do Carmo I NS51 I 3 Janeiro 2010
1 comentário:
Olá!
Li-a com atençao, como muitas outras vezes, o post e, realço um pequeno pormenor que carece de correcçao. Madre Teresa de Calcutá morreu em 1997 e foi beatificada em 2003 por Joao Paulo II.
Continuem com este trabalho e com estas reflexoes que a todos ajuda.
Um feliz ano de 2010.
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