sábado, 13 de março de 2010

O filho mais novo, o filho mais velho e o pai, simplesmente pai

Já vesti muitas vezes o fato do filho mais novo, logo eu que sou o mais velho da fratria.
E em muitas outras vezes fui o distante filho mais velho, frio, presunçoso e convencido. Mas papel como o do bom pai pródigo, um papel assim cheio de misericórdia, já é mais difícil de conseguir ser.
Um pai e dois filhos. Distraídos como somos julgamos que é uma parábola sobre um filho bom e um filho mau. Não é. É sobre um pai cândido e imensamente bom. Quem merecerá um pai assim?
De algum infeliz enviesamento enfermamos nós, os católicos, que, não sei porquê nem porque artes, nos consideramos os bons. Existe em nós uma nunca vigiada petulância de séculos que nos faz crer na infalibilidade de ser católico!
Repare-se: Não nos resta entredentes uma espécie de sorrisinho convencido, porque, afinal, não fomos nós os que, ontem, deixamos a casa do pai como os ‘irmãos separados’; nem, hoje, abandonamos a prática religiosa como tantos?
Repare-se outra vez: E não sucede que de há uns anos a esta parte, as telhas de vidro do nosso telhado começaram a quebrar, mercê dos escândalos no seio da Igreja, uma Igreja, afinal, de pecadores? Quem, afinal, pode entre nós, ficar descansado à espera dos irmãos que partiram? Não teremos nós de abandonar essa santidade tão rala e enfezada, que nos traz tranquilos em casa crendo que no regresso deles não teremos de fazer grandes despezas em festas? Não nos conforta um santo orgulho de primeira julgando--os cristãos de segunda?
Neste domingo do Pai Bom chovem-me estas perguntas que, mais que desconforto, me dão chão para a vivência comunitária da minha fé.
Todos conhecemos a parábola do pai bom por outro nome, a do filho pródigo. E sabemos como o seu coração é duplamente ferido pelos dois filhos, por todos os filhos. É ferido pelo que abandona o lar para buscar fora o que só encontrará em casa. E quando regressa da demanda e tudo parece concluir-se e sarar, logo o mais velho desfere novo golpe ao sublevar-se no seu orgulho e recusar-se a acolher o irmão regressado.
Que coração poderá resistir a tanto? Só o do Pai, o Pai Bom, que, afinal, é também um Pai só. Só, porque abandonado pelo filho que empreende uma aventura de busca da autonomia. Só, porque lhe resta um estranho em casa de quem jamais receberá um abraço.
O que em mim produz um terramoto até nem é a descrição do comportamento dos filhos (e, dependendo das vezes, eu sou um ou outro!), mas o Pai. E que Pai aquele!
Todo ele é surpresa e inesperado, porque disponível para abraçar os filhos de dentro e os de fora. A todos abraça como quem abençoa, não como quem abafa.
Todo ele se apouca e não usa a autoridade para forçar a obediência. É um pai que abre espaços, portas e janelas, para que os filhos respirem livremente e partam ou fiquem, como entenderem.
É um pai confiante e esperante, que não desiste, que faz da silenciosa janela um púlpito de espera e de esperança porque o amor não muda com a mudança.
É um pai que não teme perder estatuto. Que lhe importa se o filho regressa sujo e roto? Regressa, é filho e pronto! E para um filho só há abraços, abraços que aconchegam ao coração e jamais afastam ou criam distâncias.
É um pai que sofre, como só sofre quem ama. Que se alegra quando um filho se religa, porque só há filho se há pai. E de que serve um pai sem filhos ou filhos ausentes, deitados noutros braços?
É um pai cheio de vida, generoso, gerador e dador de vida. E se um filho perde a dignidade e a vida, o pai bom a dá generosamente e a restaura em troca dum abraço!
Haverá um pai assim? Há. Não nos perturbemos, que ele existe. Outra coisa é que nos falhe a experiência do aconchego dos abraços de tal Pai que Jesus nos revelou. A Deus, por Jesus, podemos chamar pai. Pai cujos braços só são para abraços. Ah! Como neste domingo me vão saber bem os abraços!
Chama do Carmo I NS61 I Março 14, 2010

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