Quem nunca atirou uma pedra atire agora. Ou no fim do texto. Mas melhor fora que não. Melhor fora que as pedras que arrecadamos — para nossa defesa, dizemos nós, mas na verdade para partir ou vidros ou cabeças alheias — caíssem no chão, ou nem nos chegassem à mão. Ah, sim, pedras! Precisamos delas para construir. Mas são tão grandes essas! E as outras andam tão a jeito no bolso da memória!
Quem nunca atirou uma pedra não atire nem agora.
Há tanta pedra na nossa vida, em nossas palavras duras. Duros e ásperos são os nossos sentimentos, e o carinho das nossas mãos tem sabor a lixa. Neste Domingo deveríamos deixar cair as pedras que temos na mão para podermos aconchegar as flores e abençoar os meninos; deveríamos deixar cair as pedras que temos no coração para aí guardarmos as vidas e os sonhos dos que crescem dependendo de nós; deveríamos lançar fora as pedras que temos no sapato, para assim melhor corrermos ao encontro do irmão a quem ofendemos e que exige se lhe peçam perdão. Deveríamos começar pelos mais responsáveis e mais velhos, como no Evangelho. Comecem os chefes, os padres e responsáveis das comunidades.
Deixemos cair as pedras e peçamos perdão.
Que as mãos alvas dos poderosos do mundo e das eminências pardas deixem cair as suas pedras no chão. Que os poderes que nos governam e os poderes que governam poderes abandonem os recursos da força, a cegueira causada pelo orgulho e pela vontade de lucro a qualquer preço, a desmesura em escalar os degraus do poder assassinando todos os princípios. E das pedras sem valor e pequeninas como migalhas saibam fazer pão que a todos saciem por igual.
E em vez de pedras, o Senhor lhes dê o perdão.
Que os Padres e os responsáveis das comunidades cristãs coloquem as suas pedras no chão. E o Senhor os ajude a construir a Igreja que é Sua. Aproveitem as pedras que outros lhe atirem!
E em vez de pedras, o Senhor lhes dê o perdão!
Que os avós se apresentem e deixem cair as suas pedras no chão. E o Senhor não leve em conta as vezes em que os velhos julgam mal os jovens, quando só vêem o passado! Coloquem as suas pedras no chão, abram as suas vidas ao futuro, confiem no perdão e abençoem os esperanças de mundo novo e feliz.
E em vez de pedras, o Senhor lhes dê o perdão!
Que os pais se apresentem e que o Senhor lhes transforme as pedras em perdão. Porque usam palavras duras, que são durezas de coração onde nascem as palavras que alimentam. Porque olham muito desde lá de cima e já não conhecem a lhaneza do chão. Porque dão pedras por pão, e telemóveis por afecto, tempo e bênção.
E em vez de pedras, o Senhor lhes dê o perdão!
Que os professores se apresentem e deixem cair as suas pedras no chão. Porque sabem tudo e nada precisam. Porque já não se lembram da tabuada dos nove e do outro lado dos bancos da escola. Porque perderam a equação do futuro. Porque semeiam intolerância, pressa e impaciência que tiram do duro coração. Porque já não sabem soletrar esperança na terra fofa dos que educam.
E em vez de pedras, o Senhor lhes dê o perdão!
Que as crianças se apresentem e deixem cair as suas pedras no chão. Porque, afinal, os anjos não são como elas. Porque são duras e cruéis com os meninos que não são do mesmo clube nem do mesmo bairro, que não vestem como elas, que não usam os mesmo brinquedos nem os mesmos telemóveis. Porque outros meninos que os julgavam por amigos se atiram ao rio com o peso das pedras de todos nós.
E em vez de pedras, o Senhor lhes dê o perdão!
Atiramos pedras ao Governo, à Igreja, aos patrões e professores. E logo depois escondemos a mão.
Somos insensíveis, provocadores, promovemos o ruído pelo ruído e alimentamo-nos de confusão. E depois vestimos pele suave de cordeiro manso.
Erguemos reivindicações sem contrapartidas à altura. Escrevemo-nos palavras frias sem calor. Construímos ninhos e ninguém quer deitar-se neles. Gostamos de pedras muito mais que as que se desfazem no whisky. Fazemos gestos que ferem ainda mais que pedras em mão. Atiramos pedras quer as árvores tenham fruto ou não, quer os telhados das casas sejam de vidro ou não. Atiramos pedras porque parece fraqueza romper o ciclo da violência e a dureza dos juízos. Atiramos pedras, oxalá atirássemos pão que medra.
Quem nos dará perdão?
Chama do Carmo I NS 62 I Março 21, 2010
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