In memoriam de Paulo Sérgio Pacheco,
morto no adro da Igreja de Paredes
A meteorologia da notícia previa o seguinte: O fim de semana 27 e 28 de Fevereiro, p.p., anuncia-se com dias de tempestade em Portugal (pelo que ouvi só a baptizaram quando chegou a França, Xynthia). Preventivamente, desmarcaram-se muitas actividades.
Os factos da notícia dão conta do seguinte:
Nesses fim de semana em Portugal a Xynthia derrubou 2500 árvores. Em França matou 50 pessoas; em Portugal uma, um menino de 10 anos. Morreu em Paredes, no Adro da Igreja Paroquial. Chegada a hora o pai acompanhou-o à catequese. Havia uma caminhada programada, mas o tempo não estava para aí virado; por isso ficaram na igreja à espera de visionar um filme. Antes da catequese e com o pai por ali, o menino jogava à bola que saltou mais que a conta — o que é natural, pois até a bola do mundo salta mais que a conta nas mãos dos meninos! E foi parar junto duma tília centenária onde o Paulo correu a buscá--la. Entretanto, um enorme ranco da tília saudável caiu e caçou-o. Desprevenido e inocente. Nenhum dos presentes, nem todo o desespero e amor juntos conseguiram erguer o ranco. O menino esvaiu-se e morreu perante impotência de todos. Morreu no adro da igreja, quando brincava inocentemente, esperando para entrar na catequese. O estupor revoltado dos presentes, dos familiares e dos que vieram a chorar a tragédia, declarava, com e sem palavras, com e sem lágrimas, que uma igreja não é lugar para se morrer tragicamente.
Uma definição de infância é o acumulado em gérmen de todas as esperanças. Um menino aos dez anos poderá vir a ser um bombeiro, um chopin, um van gog ou um missionário. Por isso dói mais a dor duma morte assim tão fim dum tesouro enorme de esperanças!
Dói-me a morte do menino. E dói-me a dor da família açoreana cuja casa esbarrondou encosta abaixou, e a dor das famílias madeirenses, e das chilenas e das do Haiti. E hão-de seguir doendo-me muitas outras dores. Umas que a natureza não perdoa, outras que os homens infligirão a outros homens. Mas doer-me-ão mais as inocentes.
O Evangelho da Missa deste Domingo terceiro da Quaresma (Lc 13:1-9) informa-nos que uns desconhecidos comunicaram a Jesus a horrível notícia da matança duns homens galileus no recinto sagrado do Templo. O autor óbvio da matança foi Pilatos. A indignação alastra entre a populaça porque o sangue dos homens chacinados se juntara ao dos animais sacrificados a Deus. Mas, porque comunicaram essa informação a Jesus? Sinceramente não sabemos. Mas sabemos a resposta: Jesus responde recordando outro acontecimento trágico, a morte de dezoito pessoas esmagadas pela queda dum torreão da muralha próximo da Piscina de Siloé.
Vejamos: em ambos acontecimentos trágicos Jesus declara que as vítimas não eram mais pecadores que os que ficaram vivos, e acrescenta a mesma advertência: «Se não vos converterdes, morrereis da mesma maneira».
A resposta de Jesus faz-nos pensar. Jesus recusa sem mais que as desgraças sejam castigo de Deus.
(E não é isso que pensa a gente com fé e sem fé? Não é isso que pensaram os de Paredes quando lhes morreu um menino inocente, que andava a jogar à bola: Que Deus o teria castigado, ou por ele a sua família e comunidade?)
Não, Jesus não pensa que Deus seja o Homem do Fraque, ou um justiceiro que anda pelo mundo castigando os seus filhos, semeando doenças e tragédias por aqui e por acolá. Deus não paga o mal com o mal. Deus não serve a frio taças de licor de maldade a nós pecadores!
Não, também não. Jesus não é filósofo. Ele não disserta sobre a origem do sofrimento nem proclama nenhuma teoria do mesmo. Não nos amarfanha nos nossos medos. Não confirma a culpa das vítimas nem acentua a vontade de Deus. Jesus não tem medo de olhar olhos nos olhos os homens que o confrontaram, e de lhes propor a sua leitura destes acontecimentos: através deles Deus chama-os à conversão e à mudança de vida.
Ainda nos lembramos bem do terramoto do Haiti, do esbarrondamento da Madeira e do terramoto do Chile. Como poderemos entender estas tragédias (e a morte do Paulo Sérgio) desde Jesus? Como nos ensina Jesus a lê-las? Assim:
A pergunta certa nunca é «—Onde estava Deus naquela altura?», mas onde estamos nós. Aquilo que nos pode pôr a caminho da conversão não é perguntar por que permite Deus esta ou aquela tragédia, mas porque permitimos nós (e ainda mais os decisores) que tantos, e sobretudo os pobres, permaneçam indefesos perante a natureza!
O Pai do Crucificado não se encontra nas respostas a essas perguntas, mas na identificação com as vítimas; o protesto contra a sua indiferença ou a negação da sua existência não nos leva ao seu encontro. Mas a luta contra a dor do mundo sim. Só então, de olhos e alma lavados, por entre luzes e sombras, poderemos entrever a Deus sofrendo com as vítimas e alentando os que se cansam na reconstrução dum mundo melhor.
Chama do Carmo I NS60 I Março 07, 2010
Sem comentários:
Enviar um comentário