sábado, 7 de novembro de 2009

Quem sai aos seus

No ano passado falando do frio invernio do Seminário em que vivo alguém leu saudosismo. Mas se ele continuar vazio e não surgirem alternativas, quem me virá falar de primavera?
Por estes dias percorri os corredores do Seminário Diocesano projectado há poucos anos para cem alunos: agora tem quatorze e algumas esperanças, poucas, no Seminário em Família. Também não vejo ali primavera alguma. De novo chegou a Semana dos Seminários e não estou mais esperançado. Por isso volto ao mesmo tema e ao mesmo tom, que é de quase rebate. Enquanto há quem o possa ouvir, enquanto há quem o possa reconhecer.
Enquanto...
Não sei se acontece assim com todos, mas quando acordei só vi a minha mãe e assim foi que comecei a gostar do que ela gostava. Aliás, comecei gostando do leite dela, sem saber o que era. E como para quase tudo há idade, também para mim chegou o momento de gostar de coisas diferentes. Diferentes dela e das que ela gostava. Outras muitas continuei gostando. Quando meu pai entrou nesta história vi que havia outros gostares.
E também existiam irmãos e primos e tios, pelo que as coisas, os gostos e as vidas, sendo embora muito parecidos, não eram de todo iguais. E à medida que o mundo cresceu, vi que havia mais além para além das fronteiras. Passado tempo não vi muito, nem demais, nem tudo. Porém, depois do que vi continuo a gostar da sopa da minha mãe e do barulho bom do rio da minha terra que me corre por debaixo da janela.
Existem muitas mães e pais, muitas famílias e rios, mas em lado algum nada me refresca como ali, quando ali vou.
Se assim começo hoje é para me ilibar de escrever algo mais científico sobre a família, de que todos sabemos bastante e bastantemente carecemos viver. Não existe terra mais fofa e aprazível onde melhor desperte a semente da vida. Mil beijos não substituem um olhar terno da mãe, nem dez mil âncoras são tão seguras quanto as mãos dum pai. Falte-nos a família: pais, irmãos, avós, primos, a família mais alargada e não passaremos de árvores cujas raízes teimam em agarrar-se ao solo pedregoso e pouco nutritivo.
(O resto que o digam melhor os cientistas e investigadores das ciências humanas.)
A S. Teresa de Jesus pediram os superiores que se narrasse, e ela ofereceu-nos o Livro da Vida. Sobre a sua família e o que ela teve de fundante na sua vida e na eleição das suas opções, ela recordou que seu pai
era afeiçoado «a ler bons livros, e por isso os tinha em castelhano, para que os filhos os lessem», e que sua mãe gostava de ler «livros de romances». O resultado foi que isto despertou nela o gosto pela leitura e que em chegada a época das grandes realizações sempre os livros lhe serviram de suporte para se renovar, crescer e decidir.
Sobre a mãe ressaltará ainda «o cuidado que tinha em nos fazer rezar e em sermos devotos de Nossa Senhora e de alguns santos.» E diz mais: «tinha também muitas virtudes, e passou a vida sempre doente. Era de grandíssima honestidade, muito serena e de grande entendimento.»
Por sua vez, do amado pai, dirá: «Era um homem de muita caridade para com os pobres e de piedade para com os doentes. Nunca ninguém o viu jurar ou murmurar. Era sobremaneira honesto.»
Também falou dos irmãos: «Éramos três irmãs e nove irmãos. E por Deus, todos nos parecíamos a nossos pais na virtude.»
Lá diz a sabedoria popular: Quem sai aos seus não degenera.
É verdade que os caminhos e as escolhas se elegem muitas vezes à margem da família, surpreendendo-a até; mas o mais natural é que brotem do laboratório familiar. A vocação é sempre mais serena e forte quando todos a apoiam e reforçam. Falando aqui de vocação fala-se no geral e também da de consagração a Deus e à Igreja e no contexto próximo da Semana do Seminários. Vivemos tempos em que os filhos são bens escassos, pelo que em pouco tempo se lhes define o rumo mais rentável, que, não passa pelo sacerdócio. O que vá lá, sem se ser bota de elástico, se entende, mas o que já não tem muita lógica é como depois as famílias se sentem no direito de exigir a presença e a acção do sacerdote! É que lá diz outro adágio: não há dar sem dar.
Chama do Carmo I NS 43 I 08 Nov 09

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